Por Abílio Almeida e Yuri Schmitke
A valorização e a recuperação energética dos resíduos sólidos são hoje elementos fundamentais nos modernos sistemas integrados de gestão. A nível mundial, verificamos um progressivo aumento populacional e a crescente migração para zonas urbanas, o que concentra a produção de resíduos em áreas cada vez mais restritas, com as implicações socioeconômicas e ambientais conhecidas.
As tecnologias de valorização térmica (Waste-to-Energy – WTE) são utilizadas para a redução do volume e periculosidade dos resíduos urbanos, desempenhando um importante papel na recuperação e obtenção de produtos de consumo, assim como no aproveitamento de calor ou energia.
A prioridade da atual política de gestão incorpora a dimensão da sustentabilidade e aponta para a diminuição da produção de resíduos, para o aumento da sua recuperação e reciclagem, para a utilização da energia endógena que possuem, e para uma alternativa de eliminação final o mais segura possível.
Um sistema integrado de resíduos cria, assim, a oportunidade para recuperar e obter produtos de consumo, tais como produtos recicláveis (materiais e orgânicos), produtos combustíveis, e aproveitar o calor ou a energia que as tecnologias permitem dos resíduos pós reciclagem.
A valorização energética é uma forma eficiente de utilizar os resíduos para a obtenção de uma forma de energia utilizável por todos. Constitui-se, assim, uma importante fonte de energia limpa, permitindo ao mesmo tempo, numa solução integrada, contribuir para uma gestão sustentável de resíduos e mitigação de questões ambientais, como o aquecimento global e as alterações climáticas, sem esquecer a saúde pública.
As unidades de valorização energética devem resolver, em primeiro lugar, os problemas relativos aos resíduos e ao serviço público para os quais foram concebidos (quantidade, volume e periculosidade) e só depois podem ser encarados como sistemas de produção de energia ou de produtos para a indústria.
Atualmente, essas tecnologias permitem o controle dos gases emitidos e garantem a qualidade desejada nas emissões para o ar, eliminando com isso os riscos de poluição. Associado à reduzida área necessária para a sua instalação e, portanto, não estarem dependentes da existência de grandes espaços como se verifica no caso dos aterros, assim como a sua proximidade dos centros produtores de resíduos, com uma forte redução de custos na coleta e transporte, tornam esta alternativa interessante num processo de gestão sustentável.
Num sistema integrado os resíduos são geridos como um recurso para a recuperação de energia. São sistemas que convergem na otimização da energia promovendo a reciclagem de materiais, a valorização orgânica, a recuperação energética e a utilização do biogás produzido em aterro.
Na cidade de Porto, em Portugal, é realizada a recuperação energética de 1.000 ton/dia de resíduos urbanos produzidos num universo de 1 milhão de habitantes. O processo, que complementa um conjunto de processos e unidades distintas consoante a tipologia do resíduo, decorre a elevada temperatura (cerca de 1.100oC), originando vapor que é utilizado por um grupo turbogeradores na produção de 25 MW de eletricidade.
As modernas usinas com recuperação de energia podem ser uma interessante alternativa, sendo consideradas uma forma sustentável de reaproveitar a energia existente nos resíduos, já que uma tonelada pode gerar cerca de 500 kWh de energia elétrica, o equivalente à energia gerada por 200 kg de petróleo, e tem uma significativa redução em termos de gases de efeito estufa.
Os resíduos urbanos são uma importante fonte de energia renovável e uma oportunidade para a recuperação energética. Existe um grande número de tecnologias que permitem produzir energia através dos resíduos. Os sistemas integrados têm a capacidade de produzir biogás num digestor anaeróbio, calor numa caldeira, calor e eletricidade em ciclo combinado ou combustíveis após refinação e compressão, entre outras situações.
Esta não é, contudo, uma realidade generalizada, devido aos desafios e condições do acondicionamento, da coleta, transporte e gestão dos resíduos, muito diferente de local para local e que condicionam a eficácia do sistema, principalmente da tecnologia WTE utilizada.
Em particular, a decisão de considerar esta opção não é meramente técnica, devendo ser atentamente analisadas as condições locais no seu maior número de variáveis possíveis e verificar se são apropriadas para a considerar. A necessidade de estabelecer um processo de diagnóstico, sério e transparente, deve ser levado em conta para decidir sobre a aplicabilidade e a adequação em um determinado contexto, avaliando as oportunidades, limites e riscos das tecnologias para uma adequada gestão de resíduos.
No entanto, a valorização energética de resíduos urbanos deve ser sempre encarada num sistema moderno de gestão, dado o importante papel de saneamento dos resíduos associado à geração de energia limpa.
Abílio Almeida, licenciado em Biologia pela Universidade do Porto, Portugal, e pós-graduado em Saúde Pública pela Universidade do Porto, Portugal. Membro da PREWIN, no âmbito da Comissão Europeia, Bruxelas, Bélgica. Professor do MBA Recuperação Energética e Tratamento de Resíduos da FGV
Yuri Schmitke, advogado. Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito de Energia Elétrica e mestre em Direito e Políticas públicas pelo UniCEUB. Presidente da ABREN e do WtERT Brasil. Professor do MBA Recuperação Energética e Tratamento de Resíduos da FGV