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Equipe ABREN

A ABREN integra o Global Waste to Energy Research and Technology Council (GWC) e é associada da Associação Internacional de Resíduos Sólidos ou International Solid Waste Association (ISWA)

A manutenção da proibição de aterros sanitários em APPs (Jota)

Medida é a única maneira de garantir a proteção constitucional do meio ambiente

Por YURI SCHMITKE

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na ADC 42 a declaração de inconstitucionalidade das expressões “gestão de resíduos”, contida no art. 3º, VIII, alínea b, da Lei 12.651/2012 (Código Florestal).

A decisão de proibição da construção e ampliação de aterros sanitários em Áreas de Preservação Permanente (APPs) foi calcada pelo mesmo STF ao fundamento de que há “riscos de contaminação do solo, do lençol freático e de cursos d’água, considerado o uso de contaminantes biológicos e químicos que são inerentes à instalação e ao funcionamento de aterros sanitários” e que trazem a “possibilidade de contaminação do solo e dos cursos d’água”[1].

Com a decisão de modulação dos efeitos, a Suprema Corte decidiu pela vedação da instalação de novos aterros sanitários instalados em APPs, bem como a sua ampliação, podendo permanecer em funcionamento por 36 meses a contar da publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração, em 1º de setembro de 2023.

As APPs urbanas são essenciais para o meio ambiente, conforme destacado pelo Ministério do Meio Ambiente. Estabelecidas pelo Código Florestal de 2012, as APPs desempenham várias funções ambientais essenciais, como proteção do solo, manutenção da qualidade e quantidade de água, preservação da biodiversidade e regulação climática urbana. Além disso, essas áreas contribuem para a valorização da paisagem, oferecendo espaços para lazer, esportes e educação ambiental, melhorando a qualidade de vida nas cidades, onde reside 84,4% da população brasileira. Entretanto, a urbanização desordenada ameaça essas áreas, exigindo políticas eficazes de recuperação, manutenção e fiscalização para evitar sua degradação.[2]

É importante ressaltar que a solução “aterros sanitários” tem sido abandonada e proibida em diversos países do mundo. A Alemanha, por exemplo, proíbe aterros sanitários desde 2005[3], devendo todos os resíduos serem reciclados e tratados, sendo permitido o aterramento somente de matéria inerte, ou seja, rejeitos dos processos de tratamento térmico, amplamente adotado naquele país, que é considerado um dos mais avançados em termos de saneamento no mundo.
No Brasil, por outro lado, 96% de todo o Resíduo Sólido Urbano (RSU) é enterrado sem qualquer tipo de tratamento, sendo que somente 2% é reciclado e apenas 2% passa pela compostagem[4]. O Brasil está muito atrasado na gestão de resíduos sólidos urbanos, e a decisão do STF será um grande passo para se preservar o meio ambiente, esculpido no art. 225 da Carta Magna:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A solução de aterro sanitário tem sido usada como argumento para eliminar os lixões no Brasil, no entanto, desde 2010, com a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), pouca coisa se fez nesse sentido, prova é que cerca de 40% dos resíduos continuam a ser enviados aos lixões.

Depositar resíduo urbano em lixão é crime ambiental. Além disso, este não pode ser instalado em lugar algum, ao passo que os aterros sanitários não devem (e não deveriam) ser instalados em APPs. São conceitos completamente distintos. No entanto, defende-se que os aterro sanitários seriam uma atividade de saneamento básico e, portanto, poderiam ser instalados em APPs. Trata-se de um argumento que se espera que seja afastado e esclarecido pela Suprema Corte, especialmente tendo em vista a imperiosa necessidade de se preservar as APPs.

A existência de lixões no Brasil não ocorre por falta de áreas para a construção de aterros sanitários, ou mesmo pela necessidade de construção de aterros sanitários em APPs. Segundo a Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (ABREN), o problema dos lixões existentes no Brasil se dá pela falta de estruturação financeira em contratos de concessão, mediante processos de regionalização para incluir municípios menores, seja em consórcios municipais ou blocos regionais.
Esse desafio está sendo bem endereçado pelo novo Marco do Saneamento, aprovado pela Lei 14.026/2020, que alterou a Lei 11.445/2007 (Lei Nacional do Saneamento Básico), já tendo sido encerrados 800 lixões em todo o Brasil, conforme aponta o Ministério do Meio Ambiente[5]. Até onde se sabe, não foram necessárias APPs para a execução destas importantes medidas de saneamento básico.

A decisão do STF irá garantir efetividade às diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) e do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares – Decreto 11.043/2022), focando na diminuição de resíduos em aterros sanitários por meio de reciclagem, coleta seletiva, compostagem e recuperação de energia, considerando os aterros como solução temporária rumo a métodos mais sustentáveis de gestão de resíduos.

A garantia de manutenção de desvio de resíduos de aterros é uma diretriz fundamental da Política Nacional de Resíduos Sólidos e do Planares. Essas políticas enfatizam a importância de criar aterros sanitários seguros e desenvolver estratégias para desviar resíduos destes aterros, aumentando as taxas de reciclagem, compostagem e tratamento térmico (recuperação energética). Este enfoque visa garantir que somente rejeitos – resíduos inertes que não representam risco ao meio ambiente por não emitirem líquidos ou gases – sejam destinados aos aterros sanitários.

Outro ponto importante a se destacar são os benefícios socioambientais da reciclagem e do tratamento de resíduos. O modelo atual de gestão de resíduos sólidos no Brasil tem um gasto anual de R$ 5,5 bilhões com a saúde pública, decorrente do contato inadequado das pessoas com o lixo urbano[6]. Segundo o 5º Relatório do Painel Climático da ONU (IPCC, 2011), apenas 50% do metano pode ser capturado em aterros sanitários que possuem eficientes sistemas de captura, e o metano é 86 vezes mais forte do que o CO2[7] no horizonte de 20 anos.

Recente estudo da ABREN (2023), aponta que os aterros sanitários emitem quantidade similar a todo o setor da agropecuária no Brasil[8]. Ainda, o metano emitido por aterros sanitários (superemissores como gás, óleo e carvão) é corresponsável pela morte prematura de 1 milhão de pessoas todos os anos por doenças respiratórias, e o metano é atualmente considerado um poluente atmosférico (CCAC, UNEP/ONU)[9].

Tais questões levam a implicações relevantes de se rever o atual modelo de aterro sanitário sem tratamento, especialmente tendo em vista que o Brasil é signatário do Global Methane Pledge, assinado na COP 26 em 2021, onde se comprometeu voluntariamente a reduzir 30% das emissões até 2030. No ano passado, durante a COP 28, o Brasil firmou compromisso obrigatório de reduzir gases de efeito estufa até 2030, especialmente o metano. E essas questões se tornam ainda mais relevantes com os graves danos que o aquecimento global tem apresentado nos últimos anos.

O Brasil precisa evoluir e utilizar soluções mais sustentáveis para tratar efetivamente o lixo urbano, sendo a manutenção do acórdão do STF a medida que se impõe para garantir a efetividade da proteção ao meio ambiente esculpida no art. 225 da Magna Carta, sendo corolário do Supremo Tribunal Federal garantir a proteção das presentes e futuras gerações quanto aos danos ao meio ambiente decorrentes da má gestão de resíduos.

[1] STF. ADC 42. Min. Relator Luiz Fux. Acórdão. 2018.

[2] MMA. Disponível em: https://antigo.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/areas-verdes-urbanas/%C3%A1reas-de-prote%C3%A7%C3%A3o-permanente.html#:~:text=As%20%C3%81reas%20de%20Preserva%C3%A7%C3%A3o%20Permanente,ou%20n%C3%A3o%20por%20vegeta%C3%A7%C3%A3o%20nativa.. Acesso em 28 jan. 2024.

[3] JUSBRASIL. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/alemanha-mostra-exemplo-na-gestao-de-residuos-urbanos/2208116. Acesso em 28 jan. 2024.

[4] ABRELPE. Panorama 2022. Disponível em: https://abrelpe.org.br/panorama/. Acesso em 28 jan. 2024.

[5] Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/noticias/programa-lixao-zero-ja-encerrou-mais-de-800-lixoes-em-todo-o-brasil. Acesso em 28 jan. 2024.

[6] ESTADAO. Disponível em: https://www.estadao.com.br/ciencia/lixoes-geram-custo-anual-de-us-370-milhoes-para-sistema-de-saude/. Acesso em 28 jan. 2024.

[7] IPCC. Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/#FullReport. Acesso em 28 jan. 2024.

[8] ESTADAO. Disponível em: https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/emissoes-de-metano-e-a-emergencia-climatica/. Acesso em 28 jan. 2024.

[9] Disponível em: https://www.ccacoalition.org/projects/global-methane-alliance . Acesso em 28 jan. 2024.

YURI SCHMITKE – Advogado, pós-graduado em Direito de Energia Elétrica e mestre em Direito e Políticas Públicas. Sócio da Girardi & Schmitke Advogados, presidente da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (ABREN), vice-presidente para a América Latina do Global Waste to Energy Research and Technology (WtERT -GWC) e presidente do WtERT Brasil desde 2020.

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