A gestão dos resíduos sólidos urbanos (RSU) tem sido um grande desafio no Brasil e no mundo, especialmente diante da quantidade cada vez maior de lixo produzido nas grandes cidades e da falta de espaço para sua correta destinação. Uma das soluções utilizadas em larga escala ao redor do mundo, as Usinas de Recuperação Energética (URE), também chamadas de Waste-to-Energy, são uma solução ambientalmente adequada para este desafio. Porém, muitas informações falsas e confusões com relação a este tema têm sido propagadas no Brasil.
Um exemplo recente é o Projeto de Lei nº 4.462/2019, previsto para ser apreciado amanhã (10) em sessão na Câmara dos Deputados, que pretende proibir usinas dessa natureza a menos de 20 km de residências ou estabelecimentos públicos, com base em justificativas que não têm amparo na realidade ou em estudos acadêmicos revisados por pares. De acordo com Yuri Schmitke, presidente da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (ABREN), “este assunto deveria ser discutido no âmbito de um processo de licenciamento ambiental, como ocorreu no licenciamento das Unidades de Recuperação Energética (URE) em Barueri, Caju (RJ), Mauá (SP) e Consimares (SP), todas devidamente licenciadas por padrões rigorosos, porém isso não foi feito”. Além disso, reforça Schmitke, “o PL, se aprovado da forma como está, praticamente inviabiliza a instalação de usinas de recuperação energética no Brasil”.
O Projeto de Lei determina, ainda, que o empreendedor comprove que, nos últimos 36 meses, realizou 100% de coleta seletiva em três frações (seca, orgânica e rejeito), e reciclou 50% da massa total dos resíduos nos últimos 5 anos. Essas métricas, porém, não existem em nenhum lugar do mundo, nem mesmo nos países que possuem centenas de usinas de recuperação energética de resíduos. A cargo de exemplo, amesma regra não se aplica para aterros sanitários, que é uma atividade menos sustentável do que a recuperação energética e fica abaixo na ordem de prioridades.
A recuperação energética por meio da combustão ou incineração, chamada de Waste-to-Energy (WtE), é de longe a tecnologia mais sustentável e adequada para esse processo. Essa tecnologia elimina a necessidade de disposição de material orgânico em aterros sanitários, sendo a melhor opção para grandes centros urbanos. Atualmente, existem cerca de 3.000 unidades de WtE no mundo, sendo 540 na União Europeia, 1.000 no Japão, 1.000 na China e 79 nos Estados Unidos. Estas usinas possuem sofisticados sistemas de purificação e lavagem de gases, não oferecendo qualquer risco à saúde pública.
Exemplos práticos incluem Paris, sede dos Jogos Olímpicos que terão início ainda neste mês, que possui três usinas localizadas a 2 km da Torre Eiffel e do Museu do Louvre. Operando há mais de 20 anos, estudos da CEWEP (2023) indicam que a fumaça dessas usinas é mais limpa que o ar da cidade, com as dioxinas e furanos representando apenas 0,2% do total existente no ar. Em Singapura, os resíduos não recicláveis são incinerados, e medições comprovam que o ar emitido pelas chaminés é mais limpo que o da própria cidade. Copenhagen, na Dinamarca, possui uma usina WtE que abriga uma pista de esqui, trilha de caminhada e parede de escalada em sua área externa, destacando-se como um espetáculo de arquitetura e sustentabilidade.
O artigo “A verdade científica sobre a recuperação energética de resíduos” de Marcos J. Castaldi, Ph.D., Diretor do Departamento de Engenharia Química do City College of New York City, University of New York, apresenta dados que indicam que a saúde humana não é negativamente afetada pelo WtE. Além disso, estudos mostram que as instalações de WtE operam dentro dos padrões ambientais, e que os poluentes emitidos são mínimos em comparação com outras fontes de poluição. O desempenho atual das instalações WTE nos EUA e globalmente mostra que suas emissões estão mais de 70% abaixo dos padrões mais rigorosos, exceto para NOx, que opera aproximadamente 35% abaixo dos padrões de emissão.
A implementação e o aprimoramento das usinas WtE constituem a melhor abordagem para uma gestão sustentável e segura dos resíduos sólidos urbanos. “É fundamental adotar as melhores práticas em gestão de resíduos, comprovadas pela engenharia moderna, para garantir a saúde pública e a proteção ambiental. Sem dúvidas, a recuperação energética de resíduos é uma alternativa que precisa ser levada em conta”, conclui Schmitke.
Na foto, a URE CopenHill, localizada na na Dinamarca.
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