O impacto de tais medidas transcende a mitigação climática, trazendo benefícios sociais, ambientais e econômicos significativos
A Declaração da COP29 sobre a Redução de Metano Proveniente de Resíduos Orgânicos representa um marco importante no combate às mudanças climáticas. Assinado por 30 países durante a Conferência das Partes em Baku, incluindo o Brasil, a declaração representa 47% das emissões globais de metano deste setor, destacando a necessidade de reduzir as emissões globais de metano em 30 a 35% abaixo dos níveis de 2020 até 2030, e alcançar uma redução de quase 55% até 2050, conforme os cenários do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC).
Desenvolvida com o apoio da United Nations Enviroment Program (UNEP) e da Climate and Clean Air Coalition (CCAC), a declaração reforça que mais de 50% dos resíduos sólidos urbanos globais são compostos por matéria orgânica, e cerca de um terço dos alimentos produzidos mundialmente é perdido ou desperdiçado todos os anos, contribuindo significativamente para as emissões de metano. Essas metas são cruciais para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C, conforme estipulado no Acordo de Paris. Estima-se que essas reduções possam evitar o aquecimento global em pelo menos 0,2°C até 2050, reforçando a urgência de ações coordenadas (UNEP, 2021).
O impacto de tais medidas transcende a mitigação climática, trazendo benefícios sociais, ambientais e econômicos significativos. Segundo a Declaração, estudos indicam que a redução de metano poderia prevenir as mais de 255 mil mortes prematuras anualmente, reduzir 775 mil hospitalizações relacionadas à asma, e evitar a perda de 73 bilhões de horas de trabalho devido ao calor extremo.
Atualmente, 1 milhão de pessoas morrem por conta da formação do ozono troposférico, resultante dos superemissores de metano, como óleo, gás, aterro e minas de carvão (CCAC, 2024).
Além disso, a implementação de práticas mais eficientes no setor de resíduos ajudaria a mitigar perdas significativas na agricultura, decorrentes de altos níveis de ozônio na superfície, que comprometem a produtividade agrícola e a segurança alimentar global. O setor de resíduos, que responde por cerca de 20% das emissões antropogênicas de metano, emerge como uma prioridade crítica, principalmente devido à decomposição de resíduos orgânicos em aterros sanitários, lixões a céu aberto e sistemas inadequados de tratamento de águas residuais.
A gestão inadequada de resíduos, incluindo depósitos ilegais e lixões, não só contribui para as emissões de metano, mas também impacta negativamente comunidades vulneráveis e os esforços de justiça ambiental. Além disso, a perda e o desperdício de alimentos desempenham um papel significativo, representando entre 8% e 10% das emissões globais de gases de efeito estufa, segundo o Food Waste Index Report de 2024. Isso reforça a necessidade de ações urgentes que promovam a prevenção de resíduos, a economia circular e práticas de desperdício zero, todas alinhadas com as metas globais de desenvolvimento sustentável (UNEP, 2024).
A declaração também destaca a importância de estratégias tecnológicas que promovam a compostagem de resíduos orgânicos, a recuperação energética e o uso de biotecnologias para mitigar as emissões. A compostagem, por exemplo, tem se mostrado uma solução eficaz para a regeneração de solos degradados, enquanto a produção de biogás a partir da digestão anaeróbica contribui para a transição energética e para o fornecimento de fontes renováveis de energia. Essas tecnologias não apenas reduzem as emissões de metano, mas também promovem a bioeconomia, criando empregos locais, melhorando a qualidade de vida e reduzindo custos para as cidades, ao mesmo tempo em que fortalecem os sistemas urbanos sustentáveis (IPCC 2023).
A Declaração da COP29 estabelece metas ambiciosas que incluem o aumento do financiamento para infraestrutura de gestão de resíduos, como sistemas avançados de coleta, transporte e separação de resíduos orgânicos. A necessidade de colaboração global também é destacada, com o incentivo à formação de parcerias público-privadas e ao desenvolvimento de iniciativas regionais e locais. Além disso, a declaração sublinha a importância de engajar atores locais, como agricultores, catadores e fornecedores de bioenergia, integrando-os em estratégias de economia circular para o manejo sustentável de resíduos.
A implementação dessas soluções requer investimentos substanciais. Para tanto, a declaração propõe a mobilização de recursos financeiros, incluindo o apoio a estudos de viabilidade e planos de negócios, visando a ampliação de projetos locais e regionais. Também é enfatizada a necessidade de políticas nacionais e subnacionais que priorizem ações específicas para a redução de metano, garantindo que essas políticas estejam alinhadas com as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e os planos de implementação climática. A promoção da conscientização pública e a capacitação técnica são igualmente cruciais para envolver as comunidades na adoção de práticas sustentáveis.
No contexto brasileiro, a assinatura da Declaração da COP29 reforça o compromisso do país em liderar esforços globais de combate às mudanças climáticas. As práticas sugeridas na declaração, como a compostagem de resíduos orgânicos e a produção de biogás, são plenamente aplicáveis ao cenário nacional, onde os desafios de gestão de resíduos ainda são significativos. Essas práticas não apenas ajudam a mitigar as emissões de metano, mas também promovem a resiliência climática e o desenvolvimento sustentável, especialmente em comunidades vulneráveis e áreas urbanas densamente povoadas.
A proposta de um processo contínuo, denominado “Baku-to-Baku”, para monitorar os progressos até o Fórum Urbano Mundial de 2026, representa uma abordagem inovadora de acompanhamento. Esse mecanismo reforça o compromisso dos signatários em manter o tema como prioridade na agenda global, garantindo que os esforços sejam sustentáveis e alinhados com as metas climáticas de longo prazo. Por meio de plataformas como a UNEP e o Global Methane Pledge, os signatários da declaração pretendem criar um modelo integrado que combine políticas climáticas, financiamento e tecnologias avançadas, promovendo um futuro mais sustentável e inclusivo.
A Emenda 12 apresentada no PL 327/2021 – em trâmite no Senado Federal – que cria o Programa Nacional da Transição Energética (PATEN), apresenta um marco regulatório detalhado para promover a recuperação e valorização energética de resíduos sólidos no Brasil, alinhando-se aos compromissos assumidos pelo país na COP29. A proposta determina que a União realize chamamentos públicos para a contratação de energia elétrica gerada por usinas de captura de biogás de aterro, biodigestão anaeróbica e de recuperação energética de resíduos sólidos, garantindo contratos de longo prazo de pelo menos 30 anos em um balcão único de contratação, efetivado por meio de concessão municipal. Esses dispositivos são projetados para assegurar a viabilidade econômica do setor e fomentar a transição para uma gestão sustentável de resíduos sólidos.
De acordo com a Emenda, estima-se que poderão ser viabilizados R$ 181,5 bilhões em investimentos privados para implementar usinas com capacidade instalada total de 3,3 GW, capazes de recuperar energia a partir de resíduos sólidos urbanos gerados em 28 regiões metropolitanas, responsáveis por 47% do total produzido no país.
Além disso, essas usinas poderão contribuir para uma mitigação de 86 milhões de toneladas de CO₂ equivalente por ano. Apesar do volume significativo de investimentos, a proposta não traz impacto imediato nas tarifas de energia elétrica, já que a energia gerada pelas usinas substituirá térmicas existentes, mais caras. Caso surja algum impacto tarifário futuro, estima-se que ele seria mínimo, na ordem de 0,06% ao ano, e totalmente gerenciável pelo Poder Executivo, o qual detém a prerrogativa de planejar a quantidade a ser contratada e o preço teto da fonte.
No entanto, para que o Brasil cumpra os compromissos assumidos na COP29, será necessário dobrar as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PLANARES). Atualmente, o plano prevê que 13% dos resíduos sejam desviados de aterros sanitários até 2031, enquanto apenas 2,1% da energia nacional seja proveniente de fontes renováveis como a recuperação energética até o mesmo período. Para atender às exigências internacionais, será necessário aumentar significativamente esses números, ampliando tanto a capacidade de tratamento quanto os índices de desvio de resíduos de aterros.
A Emenda também estabelece diretrizes para garantir inclusão social e eficiência operacional. Um dos destaques é a destinação de 1% do capital investido nas usinas para a construção de galpões de triagem e unidades de compostagem, que serão doados a cooperativas de catadores. Além disso, a ANEEL será responsável por definir critérios mínimos de eficiência energética, tecnologias licenciadas e limites de emissões atmosféricas.
Com essas medidas, o Brasil não só avança no cumprimento de suas metas climáticas, mas também impulsiona a geração de 200 mil empregos diretos e indiretos, fortalecendo a economia e promovendo justiça social. A proposta reflete um compromisso integrado com a sustentabilidade, a transição energética e a mitigação das mudanças climáticas.
A integração de ações climáticas no setor de resíduos não é apenas uma necessidade urgente, mas também uma oportunidade para transformar desafios ambientais em soluções inovadoras. A partir da adoção de tecnologias avançadas, da mobilização de recursos e da implementação de políticas consistentes, o Brasil e outras nações têm a possibilidade de não apenas reduzir as emissões de metano, mas também fomentar um modelo de desenvolvimento que equilibre justiça social, resiliência climática e sustentabilidade econômica.
Yuri Schmitke é Presidente Executivo da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (ABREN), Vice-Presidente LatAm do Waste to Energy Research and Technology Council (WtERT), Sócio da Girardi & Schmitke Advogados e Professor Convidado da FGV São Paulo no MBA em Administração: Recuperação Energética e Tratamento de Resíduos.
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