Com potencial para reduzir emissões e gerar empregos, usinas de recuperação energética ainda enfrentam desafios para avançar no país, escreve Yuri Schmitke
Em um contexto global de transição para soluções mais sustentáveis, a recuperação energética de resíduos sólidos surge como uma alternativa estratégica. Esse processo transforma resíduos não recicláveis em energia elétrica e térmica por meio da termovalorização, reduzindo significativamente as emissões de gases de efeito estufa.
De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), usinas de recuperação energética evitam, em média, a emissão de 1.735 kg de CO₂ equivalente por tonelada de resíduo tratado, uma eficiência 8,4 vezes superior à dos aterros sanitários mais avançados.
No entanto, o Brasil ainda está atrasado na adoção dessa tecnologia. Com cerca de 3.000 lixões ainda em operação, responsáveis por 39,5% do total de resíduos gerados, o país amarga prejuízos enormes devido à falta de saneamento no setor de resíduos.
E carece de instrumentos econômicos para desviar resíduos de aterros sanitários e assim cumprir as diretrizes e as metas do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares).
Com potencial para instalar 3,3 GW de capacidade, o Brasil poderia tratar 47% de seu lixo urbano, gerando 200 mil empregos diretos, arrecadando R$ 200 bilhões em tributos em 40 anos e mitigando 86 milhões de toneladas de CO₂ equivalente por ano.
Segundo dados do IPCC, aterros sanitários emitem grandes volumes de metano (CH₄), um gás de efeito estufa 86 vezes mais potente que o dióxido de carbono (CO₂) ao longo de 20 anos. Estudos indicam que a eficiência de captura de metano nesses aterros é limitada, com dados da Universidade de Columbia (2021) mostrando uma média de apenas 48%.
Para resolver essa questão, o Brasil e outros 30 países assinaram uma declaração na COP29, recentemente realizada em Baku, se comprometendo a desviar resíduos orgânicos de aterros para cumprir a meta de redução de 30% das emissões de metano até 2030, nos termos do Acordo Global do Metano.
Enquanto países como China, Japão e a Europa operam mais de 3 mil usinas de recuperação energética (UREs), o Brasil conta apenas com a URE Barueri, em São Paulo, com capacidade de 20 MW, prevista para começar a operar em janeiro de 2027.
A recuperação energética oferece ganhos econômicos e sociais significativos. Com potencial para instalar 3,3 GW de capacidade, o Brasil poderia tratar 47% de seu lixo urbano, gerando 200 mil empregos diretos, arrecadando R$ 200 bilhões em tributos em 40 anos e mitigando 86 milhões de toneladas de CO₂ equivalente por ano.
Atualmente, existem propostas para transformar esse cenário em tramitação na Câmara e no Senado, com destaque para o Programa Nacional da Recuperação Energética de Resíduos (PNRE), que busca viabilizar a comercialização de energia gerada por usinas de recuperação energética, biogás de aterros e biodigestão anaeróbia.
A proposta inclui um mecanismo administrado pela União para a contratação unificada dessa energia, de forma a garantir segurança jurídica para investidores e trazer viabilidade econômica.
Entre as medidas previstas estão a substituição de termoelétricas fósseis por fontes renováveis, a destinação de 50% dos créditos de carbono para a redução de tarifas públicas e investimentos diretos em triagem e compostagem, beneficiando cooperativas de catadores com 1% do capital que será empregado para a construção da usina.
Em termos práticos, uma usina que custa 1 bilhão de reais irá permitir investimentos sociais de 10 milhões de reais. Sem dúvida, esse será o maior projeto social para catadores de recicláveis no país.
Além disso, a implantação dessas usinas seria um passo crucial para o cumprimento do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que prevê 994 MW de recuperação energética, 252 MW de biogás e 69 MW de biodigestão anaeróbia até 2040, além de reforçar os compromissos assumidos no Acordo de Paris e no Compromisso Global do Metano.
Neste cenário, destaca-se a Emenda 26 ao Programa da Aceleração da Transição Energética – Paten (PL 327/2021), que deverá ser votada ainda nesta semana no Plenário do Senado Federal, com destaque de plenário.
A proposta não contempla subsídios, já que será o Ministério de Minas e Energia (MME) o responsável por definir o preço da energia elétrica, segundo as quantidades previstas no Planares. Ou seja, o governo terá a prerrogativa de buscar viabilizar o setor sem impactar a tarifa do consumidor de energia elétrica, e ainda substituir térmicas fósseis mais caras.
Em sendo aprovada e entrada em vigor, o Brasil terá a oportunidade de alinhar-se às melhores práticas internacionais na gestão de resíduos, promovendo não apenas a redução de emissões de gases de efeito estufa, mas também o desenvolvimento econômico e tecnológico.
A recuperação energética representa uma solução sustentável para a gestão de resíduos, garantindo um futuro mais limpo e sustentável para as próximas gerações.
Yuri Schmitke é presidente Executivo da Abren e Vice-Presidente Latasm do Waste to Energy Research and Technology Council, Columbia University, NY.
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