Por Yuri Schmitke A. Belchior Tisi, Presidente Executivo ABREN e Francisco Leme, CEO da W4 Resources e Conselheiro da ABREN – Publicado em 23 de julho de 2020 no CanalEnergia.
Nestas plantas de CDR, os resíduos passam por diversos processos mecânicos para o seu preparo
O Brasil comemora os avanços previstos na área de Saneamento Básico com a aprovação da atualização do seu marco legal pelo Congresso Nacional. A Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (ABREN) entende isto como mais uma importante oportunidade para as atividades de aproveitamento energético de resíduos.
O 24º Diagnóstico dos Serviços de Águas e Esgotos emitido pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNSI) do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), aponta que apenas 46,3% da população brasileira é atendida pelo serviço de esgotamento sanitário, tendo sido tratado 4,18 bilhões de m3 em 2017, e 4,30 bilhões m3 em 2018.
Estima-se que cerca de 0,1% da massa do esgoto sanitário coletado sejam resíduos sólidos, sendo que a geração atual no País é em torno de 4,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos provenientes da base seca do processo de tratamento de esgoto. Com a implantação dos projetos decorrentes do novo marco do saneamento, o potencial a se atingir supera as 9,0 milhões de toneladas destes resíduos.
Seguindo as tendências dos países desenvolvidos, onde o lodo gerado nas Estações de Tratamento de Esgoto (ETE’s) está progressivamente sendo proibida de ser enviada para aterros e com restrições cada vez maiores de serem utilizadas como adubos de solos, devido o nível de metais pesados, bactérias danosas o meio ambiente e medicações (principalmente antibióticos e hormônios), a solução ambientalmente adequada deve ser a destinação deste lodo a um processo de secagem e posterior destruição térmica da parcela orgânica, com aproveitamento de seu potencial energético.
O lodo de ETE brasileiro possui, no geral, uma faixa de 40 % de material mineral em sua base seca que, atrelado a alta umidade, o classificam como um material de baixo poder calorifico exigindo, assim, equipamentos especiais para seu tratamento, e assim o transformando-o em Combustível Derivado de Resíduos (CDR).
As principais tecnologias adotadas são o coprocessamento em fornos de cimentos, que substituem os combustíveis fósseis utilizados, e ou geração de energia elétrica ou térmica utilizando processos de gaseificação em leito fluidizado. Ambos os processos são plenamente aceitos pelo rígido sistema de controle ambiental Europeu. Além disto, detém a vantagem que a combustão do lodo não é contabilizada como geradora de CO2, pois o seu conteúdo de carbono é de origem biogênica. Assim, o tratamento térmico da lama constitui um mecanismo de redução das emissões de efeito estufa referente ao combustível fóssil substituído e aos gases oriundos de sua decomposição em aterro, como no caso do pet coque que é utilizado para a fabricação de cimento Portland ou a geração fóssil para gerar eletricidade.
Atualmente, em diversos países da Europa, a utilização do lodo das ETE’s como fonte de energia é uma realidade. Na Alemanha, das quase 1,8 milhões de t/ano de lama gerada (base seca), em torno de 65% são destruídos termicamente, sendo que mais de 50% deste são utilizadas como substitutos de combustíveis fósseis. Esta situação é similar em diversos outros países que baniram totalmente a destinação deste lodo para aterros e desenvolveram tecnologias para a sua melhor destinação.
O Desafio do aproveitamento térmico do lodo de ETE’s brasileiro é o baixo poder calorifico da base seca e alta carga de material mineral, o que inviabiliza processos tidos como tradicionais da recuperação energética. Outro grande desafio para a sua utilização é a redução da sua umidade. Para tal, diversos processos são possíveis como a filtragem mecânica, flotação química, adensamento biológico e, inclusive, há processos em desenvolvimento que utilizam energia solar como fonte de calor para secagem.
Para a compatibilização das tecnologias que hoje são padrão no resto do mundo, se fazem necessários estudos que identifiquem e projetos que viabilizem a tropicalização dos processos em relação as características de escalabilidade, climáticas, geográficas e da cultura de descarte brasileira.
A Empresa RASCHKA, sediada na Liestal na Suíça, foi a pioneira no desenvolvimento do Reator de Leito Fluidizado (FBR) para lodo de esgoto urbano na década de 70. Estes reatores utilizam o bastante difundido e consolidado processo de Leito Fluidizado Borbulhante. A grande confiabilidade destes equipamentos garante a longevidade destas plantas Waste-to-Energy (WTE). Entre as mais de 100 plantas com essa tecnologia já instaladas na Europa e na Ásia, encontram-se unidades que estão funcionando initerruptamente há mais de 40 anos.
O equipamento suíço é composto por uma câmara cilíndrica de reação onde os rejeitos são aquecidos em uma cama de areia incandescente, onde todo o material orgânico, que possui carbono em sua estrutura, é volatizado, restando apenas o material mineral inerte. Os voláteis, por sua vez, entram em combustão no topo câmara cilíndrica, então os gases da combustão são lançados para uma cavidade com paredes d’água, equivalente a um sistema de caldeira tradicional, onde a energia térmica é transferida para o lado água/vapor, o qual pode ser utilizado em processos industriais ou em turbinas para geração de energia elétrica.
O reator em leito fluidizado foi projetado para operar com resíduos de baixa capacidade energética, lodos industriais e lodo das ETE’s (Estações de Tratamento de Efluentes) urbanas. A Ember Lion, associada da ABREN e representante da RASCHKA no Brasil, identificou em estudos qualitativos a viabilidade da utilização do FBR para os rejeitos de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) brasileiro, o qual possui alto teor de umidade e carga de orgânicos contaminados, portanto, não sendo esta parcela elegível para reciclagem ou compostagem.
Num cálculo rápido, podemos considerar que o lodo de ETE atualmente gerado no Brasil tem uma quantidade total de resíduos (base seca) de mais de 4 milhões de toneladas ano. Se utilizássemos somente 50% deste lodo para gerar energia, o Brasil poderia, por exemplo:
- Substituir mais de 700.000 toneladas de pet coque da indústria cimenteira, por meio do coprocessamento do lodo;
- Substituir mais de 1.700.000 toneladas de carvão mineral nas centrais térmicas de eletricidade, correspondente a geração superior aos 1,4 mil GWh/ano , o que corresponde ao consumo de mais de meio milhão de residências.
Portanto, com uma maior abertura política para a iniciativa privada no setor do saneamento, gerada pelo novo marco do saneamento, nos vemos diante de uma vultosa oportunidade de nosso país caminhar no sentido de utilizar resíduos como substitutos de combustíveis fósseis, com enormes ganhos ambientais, econômicos e sociais.
Yuri Schmitke Almeida Belchior Tisi, Presidente da ABREN e do WtERT Brasil, e Francisco Leme, CEO da W4 Resources e Conselheiro da ABREN.
Fonte Canal Energia: https://canalenergia.com.br/artigos/53140668/mais-saneamento-com-a-valorizacao-energetica-do-lodo-de-esgoto