Estudo da ABREN mostra 28 regiões do país com maior potencial de geração de energia a partir do lixo urbano entre pelo menos 114 usinas, com 130 MW em projetos que podem entrar nos próximos leilões do setor
HENRIQUE FAERMAN, DA AGÊNCIA CANALENERGIA, DO RIO DE JANEIRO
Tecnologia ainda pouco explorada no Brasil, a geração de energia elétrica a partir do lixo tem potencial para atrair pelo menos a construção de 114 usinas em 28 regiões metropolitanas com população acima de 1 milhão de habitantes, podendo atingir uma potência instalada de 2,3 GW e performance anual na ordem de 18.864.000 MWh, mas sendo encarada sobretudo como uma solução de saneamento para as cidades.
Realizado pela Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (ABREN), o primeiro mapeamento nacional sobre potenciais para esse tipo de destinação do lixo das cidades e produção de energia levou em conta uma população urbana de 100 milhões de pessoas (48% do país), mostrando boas perspectivas de investimentos em usinas Waste to Energy (WTE), que podem atingir mais de R$ 77 bilhões nos próximos anos e atender até 3% da demanda nacional de eletricidade.
A demanda atual surge diante das condições criadas pelo novo marco legal do saneamento (Lei nº 14.026/2020), que obriga todas as prefeituras a estruturarem Parcerias Público Privadas (PPPs) de 30 anos no caso de delegação do serviço público de coleta, transporte e destinação ambientalmente adequada dos resíduos sólidos urbanos.
O presidente da associação, Yuri Schmitke, ressalta que esse número não é expressivo, no sentido de causar desequilíbrio de mercado e incomodar outros tipos de fontes com preços mais competitivos, além de configurar uma termelétrica mais limpa por contar com modernos filtros e sofisticados sistemas de controle de emissões atmosféricas, tendo os níveis mais baixos comparado a outras UTEs.
“É uma parcela da futura geração que pode ter uma importância enorme, pois são as térmicas de base mais limpas atualmente, com fator de capacidade de 93% e gerando mais de 8 mil horas por ano garantido”, destaca Schmitke, lembrando que atualmente existem cerca de 2.448 usinas desse tipo no mundo inteiro, sendo mais de 520 na Europa, localizada nos centros das cidades para evitar custos com transporte.
Dentro do critério do estudo, cada cidadão brasileiro está gerando hoje uma média de 1 quilo de lixo urbano por dia, o que significa 100.000 toneladas, provocando nas prefeituras dessas regiões um desgaste anual de quase 2,7 bilhões de reais com custos ambientais.
O caso principal é o estado de São Paulo, que com 21 milhões de habitantes na região da capital produz 7 milhões de toneladas ano de resíduos, tendo uma oportunidade de produzir 468 MW através de 24 usinas, conferindo 3,7 TW ao ano, num aporte estimado em R$ 15 bilhões.
“O objetivo não é gerar energia elétrica e sim cuidar do problema de saneamento, com benefícios socioambientais que superam qualquer discussão sobre preço ou participação na matriz elétrica”, pontua o executivo, referindo-se aos investimentos mais elevados para esse tipo de empreendimento.
Segundo ele, atualmente o país vive uma situação de ilegalidade, onde 96% dos resíduos vão para os aterros sanitários sem nenhuma forma de tratamento, causando um prejuízo de R$ 5,4 bilhões por ano só no tratamento de saúde em função do contato inadequado com o lixo urbano, conforme dados da International Solid Waste Association – ISWA.
“Hierarquia, tratamento orgânico e térmico e nada de aterro sanitário. Esse é o futuro que queremos para o Brasil, baseado no que já acontece na Alemanha, Áustria, Bélgica, Finlândia, Suécia”, ressalta, destacando que o tratamento via WTE usa a combustão, eliminando tanto a fração orgânica quanto inorgânica e reduzindo em 98% o volume do resíduo urbano, além de recuperar a escória para pavimentação e metais para reciclagem.
Schmitke, que também é advogado e sócio da Girardi & Advogados Associados, estuda o tema a mais de sete anos e decidiu criar a Abren em 2018 para defender essa rota tecnológica no Brasil, afirmando que embora o país possua muitas plantas de biogás a grande maioria não utiliza lixo, citando apenas duas: uma em Curitiba, da CSBioenergia, e a outra também no Paraná, do Grupo Philus, uma usina modelo que usa resíduos para gerar mais biogás com menos problemas de corrosão, além de produzir biofertilizantes, sem nenhuma externalidade ambiental.
Leilão de RSU e precificação
De acordo com presidente da Abren, uma alternativa para viabilidade de projetos que usam Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) para geração de eletricidade é o pagamento progressivo de uma tarifa a ser cobrada na conta de água e que pode resolver a questão municipal, além de partir para o outro desafio, que é conseguir fonte de receita com a venda da energia elétrica.
“Como os prefeitos não vão subir as tarifas precisamos convencer o Ministério de Minas e Energia a realizar um leilão específico para a fonte, com um preço um pouco mais elevado para compensar essa deficiência da taxa de tratamento, que hoje é muito baixa”, explica o executivo, que aguarda a publicação de um certame A-5 específico no Diário Oficial da União, salientando que o gás de aterro terá outro leilão separado, pois possui intermitência, ao passo que as WTEs são tidas como energia firme.
O primeiro balanço de desenvolvimento setorial da Abren aponta pelo menos 130 MW entre três usinas com Licenças Prévias já emitidas pelos órgãos ambientais e mais 55 MW em projetos ainda com processos de licenciamento em tramitação e que poderão vir a participar também de leilões com outras fontes: A-5 e A-6, em setembro. O MME publicou na semana passada as diretrizes do A-5, confirmando a participação da fonte, mas colocou o A-6 em revisão.
Um deles é do Grupo Lara, que opera aterros e planeja construir uma usina de 80 MW em Mauá (SP); o segundo é uma planta da Foxx-Haztec de 20 MW em Barueri (SP), que tem como sócio a empresa chinesa Jing Jang; e o terceiro uma unidade de 30 MW da empresa Ciclus, que será construído em uma unidade de transferência de resíduos no bairro do Caju, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Ao todo as iniciativas devem demandar R$ 2,5 bilhões em investimentos Capex, fora a receita gerada ao longo da concessão, sendo mais da metade dos recursos advindos com a WTE de 80 MW.
“Esperamos que o certame seja positivo e que haja quantidade suficiente para contratação dos três projetos, o que incentiva também o mercado para mais projetos no ano que vem”, comenta o Schmitke, informando que o preço da fonte varia entre R$ 550 a 650/MWh, dependendo do tamanho da iniciativa e das condições.
Um dos pedidos da Associação ao MME é que a tecnologia tenha um preço mediano de R$ 600/MWh, ponderando que com o passar dos anos e a criação de uma cadeia de valor esse custo possa cair para R$ 250/MWh, processo comparável ao passado pelas eólicas, quando o Proinfa contratou em 2004-2006 parques em R$ 450/MWh, que hoje é atualizado para R$ 600/MWh, sem contar que 25% do despacho do ONS é acima desse preço.
“É mais barato do que estamos despachando hoje, sem contar nos outros benefícios para a sociedade que nenhuma outra fonte traz”, destaca, lembrando também que a pegada atual de ESG pode também favorecer a essa tomada de decisão pelas WTEs no âmbito da pauta ambiental, além desses projetos integrarem parte do complexo de títulos verdes existentes no mercado, com as companhias podendo emitir debêntures incentivadas.
“É possível fabricar 95% aqui com apenas uma pequena quantidade de equipamentos eletrônicos sendo importados, até porque somos líderes mundiais em biomassa, com as caldeiras saindo aqui pela metade do preço da Europa, porque que temos uma escala de produção”, salienta Yuri, ressaltando o convencimento do ministro Bento Albuquerque quanto aos custos evitados com a saúde pública e o transporte do lixo e da energia, que é injetada diretamente no SIN.
“Devemos até receber pela Tusd porque vamos equilibrar o grid, visto não ser uma PCH que fica mais distante dos centros urbanos”, acrescenta.
O relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, em português) aponta que a solução WTE reduz as emissões de gases de efeito estufa em até 8 vezes, visto ser possível capturar em média apenas 50% do biogás nos aterros, proveniente do metano, que por sua vez é 25 vezes mais nocivo do que o gás metano, apontando então que a melhor forma de gestão de resíduos para mitigação do aquecimento global são as usinas WTE, que utilizam em 98% a tecnologia da incineração, além da gaseificação e da pirolise, com praticamente nenhum uso de oxigênio.
Outra questão que se soma é da água potável, visto que muitos aterros e lixões contaminam os aquíferos, lençóis freáticos e demais recursos hídricos, os quais representam quase a metade do lixo produzido no Brasil, situação que tende a se agravar, ainda mais porque poucos aterros usam osmose reversa ou tecnologias melhores para o tratamento do chorume, por conta dos custos.
Outro ponto de trunfo envolvendo o processo das WTEs é recuperação de metais após a incineração, com a estimativa de 735 mil toneladas por ano de metais ferrosos e não ferrosos, evitando 54 milhões de toneladas de CO2 equivalente a atmosfera, considerando o rol do estudo realizado pela Abren.
“As waste-to-energy resolvem todos esses problemas, sendo considerado uma economia circular, que não causa danos à saúde pública e ainda transforma os materiais não recicláveis em energia”, finaliza Yuri Schmitke.