Picture of Equipe ABREN

Equipe ABREN

A ABREN integra o Global Waste to Energy Research and Technology Council (GWC) e é associada da Associação Internacional de Resíduos Sólidos ou International Solid Waste Association (ISWA)

Biomassa: O desafio do avanço constante (Valor Econômico)

Investimentos em geração a partir de material orgânico devem quintuplicar em 2024 e despencar em 2025, afetando cadeia de bens de capital

A indústria de geração de energia a partir de biomassa deverá investir cerca de R$ 7 bilhões ao longo deste ano. A ser confirmada a previsão, os aportes em capacidade nova de geração devem crescer praticamente cinco vezes em relação ao ano passado, quando o investimento girou em torno de R$ 1,34 bilhão.

Os números se referem ao capex (investimento em bens de capital) estimado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) ainda em 2021, mas podem estar subestimados porque os custos do investimento fixo subiram de lá para cá e faltam dados mais atualizados, aponta Zilmar José de Souza, gerente de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica). Além disso, as previsões de ganho de capacidade feitas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) podem ainda sofrer alterações.

Mantido o cenário antecipado pela agência, no entanto, a fonte biomassa deverá agregar ao sistema uma capacidade adicional de 1.155 megawatts (MW) até o fim deste ano, diante de apenas 223 MW em 2023, quando houve a instalação de dez novas unidades geradoras (avanço de 1,3% em relação a 2022).

Nas palavras de Souza, será o maior acréscimo de capacidade desde 2013, quando a biomassa havia adicionado 1.431 MW à potência total instalada no sistema elétrico, correspondentes a 24,3% do crescimento observado pelo setor de geração como um todo naquele ano. Em 2024, a indústria da biomassa tende a elevar sua capacidade para 18.540 MW, diante de 17.385 MW em 2023, numa alta de 6,64%. Devem ser instaladas 24 usinas geradoras até o fim deste ano.

A conclusão das ampliações da antiga unidade da Aracruz em Guaíba (RS), atualmente sob controle da CMPC Celulose Riograndense, e da unidade da Inpasa Agroindustrial, em Dourados (MS), permitiu colocar no sistema 31,45 MW e 26,18 MW de potência nova, segundo Newton Duarte, presidente-executivo da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen).

No primeiro caso, a energia será gerada a partir do licor negro, resíduo do processamento da celulose, num projeto que demandou investimentos de R$ 2,75 bilhões desde 2021 e elevou em 18% a capacidade de produção de celulose da planta da CMPC. Já em Dourados foram investidos cerca de R$ 2 bilhões no projeto de expansão, incluindo a cogeração.

A Bracell, fabricante de celulose solúvel e celulose kraft controlada pelo grupo asiático Royal Golden Eagle (RGE), estreou em 2019 na geração de energia a partir de licor negro, juntamente com a construção de sua fábrica em Lençóis Paulista (SP), que exigiu investimentos de R$ 15 bilhões, de acordo com Alexandre Figueiredo, gerente sênior industrial da empresa em São Paulo. “Nossa planta é considerada a maior e a mais sustentável fábrica de celulose solúvel do mundo e a primeira empresa do setor nas Américas a operar fóssil-fuel free, isto é, sem o uso de combustíveis fósseis.”

Em operação desde setembro de 2021, a planta de Lençóis Paulista “já iniciou com um gaseificador que queima resíduos de madeira, gerando o Syngas, obtido por meio de uma reação química chamada pirólise e que substitui os combustíveis fósseis na operação”, detalha Figueiredo, reforçando o fato de a fábrica operar, desde seu nascimento, “com 100% de energia renovável produzida pela própria operação, a partir da queima da fração orgânica do licor negro, um subproduto resultante da produção da celulose”.

A caldeira de recuperação química, que realiza o processo de queima, consegue suprir toda a demanda de energia elétrica da unidade e ainda gera um excedente de 150 a 180 MW destinado ao grid nacional, volume suficiente para abastecer 750 mil residências ou cerca de três milhões de pessoas, nas estimativas da empresa. Figueiredo afirma que a utilização da biomassa permite redução das emissões de gases de efeito estufa da ordem de 90%, se comparadas com o uso de combustíveis fósseis.

O investimento na expansão da biomassa, no entanto, tem oscilado ano a ano, demonstrando uma descontinuidade que afeta toda a cadeia industrial. O setor não conseguiu mais repetir o recorde de 2010, quando aportou 1.750 MW novos ao sistema, respondendo por 28,6% do avanço da capacidade total de geração de eletricidade no período. O acréscimo de capacidade bateu no fundo do poço em 2018, com aumento de apenas 141 MW ou menos de 2% do crescimento geral.

Há dois anos, a geração de energia da biomassa incorporou 905 MW adicionais, volume reduzido para os 223 MW registrados em 2023. Para 2025, informa Souza, a Aneel estima a entrada em operação de apenas 240 MW, perto de 2,2% do aumento total de capacidade esperado para o próximo ano, que gira em torno de 10.928 MW.

A se confirmar a previsão, o investimento em capacidade nova despencaria para R$ 1,44 bilhão, perto de um quinto do valor projetado para este ano.
“O ideal seria que houvesse uma continuidade, com investimentos mais regulares em geração, o que seria benéfico para toda a cadeia de bens de capital associada ao setor de biomassa, favorecendo centros de excelência industrial nas regiões de Jundiaí, Piracicaba e Sertãozinho (SP)”, defende Souza, da Unica.

Num ambiente ainda de predominância da sobrecontratação de energia pelas distribuidoras, observa Duarte, “não há a expectativa de novos leilões no mercado regulado que possam proporcionar a instalação de novos projetos de biomassa”. Neste ano, até o momento, está prevista a realização de apenas um leilão de reserva de capacidade, inicialmente em agosto, mas que não contempla a biomassa e foi desenhado especificamente para contratação de térmicas convencionais, movidas a combustíveis fósseis, e hidrelétricas.

 proposta, na visão de Souza, é mitigar os riscos de fontes intermitentes, a exemplo da eólica e solar fotovoltaica. “A porta de saída para a biomassa eram os leilões de energia nova, com contratos de longo prazo”, observa. Ele defende a formatação de leilões específicos para o setor, que levem em conta a sustentabilidade e a oferta de energia firme asseguradas pela biomassa, e sua proximidade dos centros de carga, o que reduz perdas e posterga investimentos em transmissão.

Na avaliação de Duarte, da Cogen, a perspectiva de novos produtos, a exemplo de projetos nas áreas de biogás e biometano, do etanol de segunda geração, do combustível sustentável de aviação (SAF) e do hidrogênio verde, “deverá fortalecer a indústria de cogeração na medida da necessidade de uma maior autoprodução, diante do incremento do consumo próprio de energia”. Adicionalmente, num fator mais conjuntural, as “excelentes perspectivas” no mercado global de açúcar igualmente tendem a estimular projetos de modernização de destilarias, reforçando a cogeração.

Os avanços recentes da geração de energia da biomassa, anota Yuri Schmitke, presidente da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), vieram impulsionados pela maior eficiência das tecnologias de conversão e pelo interesse crescente em alternativas renováveis e sustentáveis, mas ele considera que ainda há uma grande área inexplorada, o biogás e o biometano.

“O Brasil tem um potencial teórico para atender 40% da demanda elétrica nacional ou 70% do consumo de diesel do país. No entanto, a produção brasileira estava abaixo de 2,3 bilhões de metros cúbicos em 2021, cerca de 3% daquele potencial”, comenta Schmitke. O relatório mais recente da International Energy Agency (IEA), de 2023, prossegue ele, “prevê que o Brasil irá quadruplicar a produção do biometano até 2027, chegando em uma média de dois milhões de metros cúbicos por dia e se tornando o maior produtor do mundo”.

Há de fato uma grande movimentação no setor de biomassa num momento em que a transição energética passa a ocupar maior espaço na agenda nacional, pontua Paulo Dantas, sócio do escritório Castro Barros Advogados, e mais especificamente diante da perspectiva de aprovação do marco legal do hidrogênio verde, que demandará energia em volumes crescentes para alimentar os processos de hidrólise. “O que tem barrado um pouco os projetos de biomassa é a capacidade de o sistema absorver essa energia excedente, o que exigirá investimentos em infraestrutura de transmissão e distribuição”, pondera Dantas.

A venda de energia para o Sistema Integrado Nacional pelo setor de biomassa experimentou crescimento de 10,1% entre 2022 e 2023, avançando de 25.553 para 28.137 gigawatts/hora, representando 4,6% da eletricidade consumida no país. As usinas de cana responderam pela oferta de 74,5% dessa energia, somando 20.973 GWh, em alta de 14,0% em relação a 2022. Em grande medida, considerando que o crescimento em capacidade nova foi muito reduzido, o incremento da cogeração da cana veio na esteira de um salto de 19,3% na moagem registrada pela Unica na região Centro-Sul, que saiu de 548,63 milhões para 654,43 milhões de toneladas entre as safras 2022/2023 e 2023/2024, alcançando novo recorde no setor. Apenas a cogeração a partir do bagaço e da palha de cana, estima a entidade, evitou emissões de CO2 próximas a 4,3 milhões de toneladas, equivalente ao cultivo de 30 milhões de árvores nativas ao longo de duas décadas.

Clique aqui para ler a matéria na íntegra.

Compartilhe esta publicação!