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Equipe ABREN

A ABREN integra o Global Waste to Energy Research and Technology Council (GWC) e é associada da Associação Internacional de Resíduos Sólidos ou International Solid Waste Association (ISWA)

Lixo é energia – um luxo pouco aproveitado no Brasil (AUPA)

Conheça o mercado da recuperação energética de resíduos, que está emergindo no país, e seus múltiplos impactos positivos

Lixo normalmente é sinônimo de algo que se joga fora, algo desprezível. Mas como “jogar fora” um material que pesa cerca de 80 milhões de toneladas e se renova ano após ano? Como desprezar que a produção de lixo no Brasil deverá crescer 16% ou mais na próxima década e que, se o cenário atual for mantido, grande parte desse lixo terá uma destinação ambientalmente inadequada?

Felizmente, cada vez mais brasileiros estão vendo valor no lixo, incluindo oportunidades de negócios. Um mercado que vem crescendo no país, assim como no mundo todo, é voltado à transformação de lixo em energia – elétrica, térmica ou em combustível de veículos.

Conhecido internacionalmente pelo nome “Waste to energy” (“Do lixo à energia”, em tradução adaptada em português) ou pela sigla WTE, esse mercado engloba modelos de negócio que usam tecnologia para transformar resíduos, principalmente os não-recicláveis e orgânicos, em fontes de energia renováveis. A Noruega e Suécia, por exemplo, conseguem eliminar todo o lixo gerado em seus territórios e ainda compram resíduos de outros países europeus para produzir energia através de suas usinas WTE. E o Japão, outro país exemplar na gestão sustentável de lixo e um dos líderes neste mercado, faz a recuperação energética de mais de 70% dos seus resíduos sólidos através de tecnologia WTE.

Yuri Tisi, presidente-executivo da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (ABREN). Crédito: Linkedin

Segundo Yuri Tisi, presidente-executivo da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (ABREN), ainda há poucos projetos WTE no Brasil. Mas é um sistema que pode vir a gerar grandes benefícios ambientais, sociais e econômicos ao país – contribuindo, assim, com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ODS/ONU).

Saneamento sustentável
O destino do lixo no Brasil é majoritariamente os aterros sanitários. Ainda, cerca de 40% do lixo é depositado em lixões a céu aberto ou aterros inadequados – contaminando o solo, as fontes de água e o ar. Essa situação impacta a saúde de mais de 70 milhões de brasileiros e gera custos de bilhões de reais por ano ao setor público, de acordo com dados recentes da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública. Segundo o relatório “Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2020” da ABRELPE, a destinação inadequada do lixo gera “Um custo ambiental e para tratamento de saúde de cerca de USD 1 bilhão por ano” – ou seja, na conversão em reais,  este valor é superior a R$ 5 bilhões. 

Tisi, da ABREN, afirma que o sistema WTE é uma forma “Muito mais sustentável” para tratar o lixo do que enterrá-lo em aterros, pois previne danos ambientais e gastos públicos, além do risco de contaminação e de possibilitar o aproveitamento do potencial energético dos resíduos. “Por isso, muitos países da Europa e Japão não utilizam mais aterro sanitário,” diz Tisi.

Victor Motta, engenheiro da Biogrid, uma empresa que oferece soluções biológicas para o tratamento de resíduos e efluentes, aponta que destinar resíduos para lixões e aterros causa muitos problemas socioambientais. Pois essas unidades “Requerem grande área, são finitos, atraem vetores, são insalubres,” além de gerarem altas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), que potencializam as mudanças climáticas.

Victor Motta, engenheiro da Biogrid. Crédito: Linkedin

A Biogrid trabalha com um sistema de transformação de lixo em energia através de biodigestão anaeróbia, que não só evita o envio de lixo a aterros ou lixões, como permite que o “Gerador trate seu resíduo na fonte, zerando custos com armazenamento, transporte e destinação de seus resíduos orgânicos”, segundo explica Motta. Os biodigestores desenvolvidos pela empresa também possibilitam o aproveitamento do biogás, uma energia renovável. O biogás pode ser utilizado para geração de eletricidade, de uso doméstico ou industrial, podendo ainda ser convertido em gás de cozinha e biocombustível para automóveis ou máquinas – como o biometano.

Energia limpa e acessível
A recuperação energética de resíduos pode ser feita através de diferentes métodos, tal como por meio de tratamento biológico, ou biodigestão anaeróbia, que trata a matéria orgânica, devidamente separada do lixo comum. Como também por meio de tratamento térmico, utilizando tecnologias de incineração, que processa resíduos sólidos misturados. Ambos os métodos resultam em uma fonte de energia renovável e limpa – podendo substituir o uso de combustíveis fósseis, que tem uma pegada ecológica muito maior.

A queima do lixo geralmente não é vista como uma prática limpa, pois libera gases poluentes durante a operação. Entretanto, as unidades de WTE que utilizam métodos de incineração, possuem filtros especializados para controlar a saída de gases. “As usinas WTE geram energia limpa, sendo a termoelétrica mais limpa hoje existente em razão dos sofisticados sistemas de controle de emissões atmosféricas,” diz Tisi.

De acordo com estudos do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change – ou, na tradução livre em português, Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), o sistema WTE emite baixas quantidades de GEE, como gás carbônico e metano. Sendo, assim, um dos sistemas de tratamento de lixo mais ambientalmente sustentáveis.

Aproveitar o potencial energético do lixo, também é uma forma de tornar o acesso à energia e ao saneamento básico mais abrangentes. Motta, da Biogrid, afirma que o sistema de biodigestão anaeróbia – para transformar resíduos orgânicos em biogás – é de “Baixo custo operacional e de manutenção” e pode ser adaptado a diferentes contextos locais. Dessa forma, é uma “Alternativa para comunidades isoladas e/ou de baixa renda,” que não contam com rede de fornecimento de energia ou serviço de gestão de resíduos não-recicláveis.

Felipe Marques, diretor de desenvolvimento tecnológico do Centro Internacional de Energias Renováveis – CIBiogás. Crédito: Linkedin

Esta tecnologia não é aplicada apenas em usinas ou grandes empreendimentos. Felipe Marques, diretor de desenvolvimento tecnológico do Centro Internacional de Energias Renováveis – CIBiogás, afirma que houve um aumento grande na comercialização de pequenos biodigestores nos três últimos anos. Essas pequenas unidades de produção de biogás são normalmente usadas em residências, hotéis, restaurantes e chácaras. 

E são voltadas tanto ao consumo de energia local, quanto ao tratamento de resíduos orgânicos, principalmente restos de comida e dejetos animais. O relatório “Panorama do Biogás no Brasil em 2019”, do CIBiogas, aponta que 78% do total das plantas de biogás em operação no país são de pequeno porte.

A produção descentralizada de energia por meio do biogás, “Conectada com estratégias de microgrids e smart grids, possui valor estratégico muito relevante para o desenvolvimento regional,” destaca Marques.

Microgrids e smart grids são soluções tecnológicas para problemas relacionados ao fornecimento e ao consumo de energia elétrica. As microgrids são pequenas redes de distribuição de energia, independentes de uma central geradora, que atendem demandas locais e de áreas remotas. Já as smart grids, também conhecidas como redes inteligentes de energia, englobam tecnologias que aumentam a eficiência e qualidade dos sistemas de geração de eletricidade.

Inovação e infraestrutura
Segundo Marques, o investimento em infraestruturas de aproveitamento do biogás e seus derivados contribui também para a “Diversificação da matriz energética brasileira”. Assim, permite aumentar a segurança energética no país e evitar apagões de energia – como aconteceu no Amapá meses atrás, devido a problemas na rede elétrica, gerando caos por todo o Estado.

Embora o biogás ainda represente menos que 1% da matriz energética do país, é um mercado que vem crescendo em média 30% ao ano, aponta Marques. O Biogasmap, uma plataforma digital criada pelo CIBiogás para disponibilizar dados atualizados sobre esse mercado e sua evolução em solo brasileiro, mostra que há mais de 500 unidades de produção de biogás em operação.

Processo de produção do biogás. Crédito: Betaeq.

De acordo com análises da ABREN, mais de 7% da demanda de eletricidade do Brasil poderá ser suprida por usinas de biogás em conjunto com usinas WTE, de tratamento térmico de resíduos. Além de ser um mercado que poderá gerar investimentos de aproximadamente R$200 bilhões no país – se as medidas legais forem favoráveis para esse cenário. Tisi afirma que o novo Marco Legal do Saneamento Básico, aprovado ano passado, é um passo nessa direção: incentiva a recuperação energética de resíduos, incluindo o encerramento de lixões.

Já Marques afirma que outro fator-chave para alavancar esse mercado, éreduzir a “Assimetria de informação” que existe nele. Afinal, negócios voltados à transformação de lixo em energia podem ser modelados de diversas formas, sendo que uns são mais eficientes e sustentáveis do que outros.

Os produtos da Biogrid, por exemplo, além de armazenarem o biogás gerado no processo de biodigestão de resíduos, permitem o aproveitamento da matéria orgânica decomposta, que resulta em um biofertilizante. É um “Fertilizante orgânico que pode ser utilizado em áreas verdes e para recuperação de áreas degradadas”, explica Motta. E aproveitá-lo, também, é uma forma de apostar na “Valoração integral dos resíduos.”

“Os empreendedores, muitas vezes por desconhecimento, buscam soluções que não valoram integralmente os resíduos,” destaca Motta. “Desta forma, deve-se aumentar a difusão das alternativas tecnológicas [de tratamento do lixo].”

FONTE: https://aupa.com.br/lixo-e-energia-um-luxo-pouco-aproveitado-no-brasil/

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