Associação estima que quase 80 milhões de toneladas são desperdiçadas por ano no país. Licitações poderão viabilizar usinas geradoras de eletricidade a partir de resíduos sólidos, como já é feito em vários países.
ELIANE OLIVEIRA
Previsto para começar em setembro deste ano, um cronograma de leilões de projetos de geração de energia a partir do lixo traz boas perspectivas para o Brasil. No país, 96% dos resíduos vão para aterros sanitários, sem qualquer tipo de tratamento. Além dos riscos ao meio ambiente e à saúde pública, isso também significa uma oportunidade perdida na geração de energia.
Segundo o primeiro mapeamento do setor elaborado pela Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), quase 80 milhões de toneladas de lixo por ano poderiam funcionar como fonte de energia, como é feito em vários países.
Pelo levantamento, há no Brasil um potencial de instalação de 120 unidades geradoras de energia a partir do lixo nas 28 regiões metropolitanas com mais de 1 milhão de habitantes.
Juntas, teriam potência instalada de 2.358 megawatts (MW), em condições de suprir 3% da demanda nacional de energia. Esses empreendimentos também poderiam gerar empregos, com investimentos de R$ 75 bilhões nos próximos anos. A entidade calcula que, apenas durante a construção, as usinas gerariam 24 mil vagas, com outros 9 mil na operação.
O mapeamento da Abren considera que cada cidadão brasileiro nas grandes cidades gera hoje uma média de 1 quilo de lixo urbano por dia, o que significa ao menos 100 mil toneladas geradas por dia no mapeamento. Isso impõe às prefeituras um custo anual de R$ 2,4 bilhões com questões ambientais. Parte dos resíduos pode virar energia.
— Não aproveitamos nem 1% do potencial de geração de energia por meio do lixo urbano — destaca o presidente da Abren, Yuri Schmitke.
O Japão é o país com maior número de usinas que produzem energia do lixo no mundo: 1.063. Em seguida vêm China (419), Coreia do Sul (218), França (127) e Alemanha (98). Já no Brasil há projetos limitados, e o país está entre os mais atrasados na gestão de resíduos sólidos urbanos.
Coleta não é suficiente
Apesar de apresentar bons indicadores na coleta, o país carece de tratamento de destinação final ambientalmente adequada desses resíduos. Apenas 2% são reciclados, e outros 2% passam pela compostagem. Aproximadamente 40% são enviados para lixões e aterros controlados.
Hoje, há apenas cinco projetos de geração de energia do lixo no Brasil. Um deles é o da Unidade de Recuperação Energética (URE), que ficará no Caju, Zona Portuária do Rio. O projeto está a cargo da Ciclus Ambiental, concessionária da Prefeitura do Rio por meio da Comlurb.
Segundo Adriana Felipetto, presidente da empresa, os investimentos, todos de origem privada, serão de cerca de R$ 500 milhões. A usina vai promover o tratamento térmico diário de 1,3 mil toneladas de lixo produzidas pelos cariocas, gerando 30 MW de energia — o suficiente para abastecer 200 mil habitantes.
O projeto prevê, ainda, a geração de empregos e renda na área central da capital fluminese.
— Para além da questão energética, o empreendimento oferece importantes soluções sanitárias e ambientais para o município — afirma a presidente da Ciclus.
Esse novo mercado de recuperação energética de resíduos sólidos urbanos vai se consolidar graças ao novo marco regulatório do saneamento, aprovado pelo Congresso no ano passado. A partir da regulação, o Ministério de Minas e Energia (MME) vai organizar leilões para que usinas de lixo possam vender sua energia, viabilizando os projetos. Os contratos terão duração de até 30 anos.
— Esta é a primeira vez na história que o MME organiza um leilão para contratação da energia de usinas termelétricas de recuperação energética de resíduo sólido urbano (lixo) — ressalta Schmitke.
De acordo com o presidente da Abren, o país precisa aproveitar o marco do saneamento para estruturar projetos de recuperação energética, no curto ou no médio prazo. Caso contrário, o processo de degradação ambiental dos lixões vai continuar, juntamente com danos à saúde pública.
Custo é mais alto
Apesar das vantagens ambientais, a energia gerada do lixo ainda tende a ser mais cara do que as de outras fontes. Porém, lembra o presidente da Abren, o mesmo aconteceu anteriormente com as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) e usinas de biomassa, por exemplo:
— Fontes inexistentes tendem a ser mais caras no começo, mas depois têm o preço reduzido. E os custos evitados na saúde pública, no transporte do lixo e na transmissão da energia tornam a fonte a mais barata. O incentivo inicial é fundamental para que esta fonte possa ter participação na matriz energética.
A comercialização de energia elétrica no Brasil ocorre no modelo de leilões desde 2004. As distribuidoras do Sistema Interligado Nacional (SIN) garantem o atendimento à totalidade de seus mercados mediante contratação regulada (ou seja, por meio de licitação) de energia vendida por geradoras.
Os leilões são promovidos diretamente pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), ou por intermédio da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Nos leilões de energia, a contração é segregada em produtos. Em cada segmento competem empreendimentos geradores da mesma fonte energética (eólica, solar fotovoltaica, hidrelétricas, termelétricas, entre outras).
Segundo o MME, os leilões têm papel relevante na economia, pois garantem previsibilidade de receita para os proprietários de usinas e as distribuidoras e asseguram o fornecimento de energia.
É através da garantia de contratos de longo prazo que os geradores viabilizam financeiramente os seus projetos e conseguem obter financiamento para os empreendimentos. Por isso os leilões são tão importantes para viabilizar as usinas de lixo.