Com novos padrões de consumo, geração de resíduos chega a um ponto insustentável ao redor do mundo, despertando ações para promover a circularidade e o reaproveitamento
Um dos pontos mais críticos de gestão urbana, o problema dos RSUs (Resíduos Sólidos Urbanos) e RCDs (Resíduos de Construção e Demolição) assola as cidades de maneira cada vez mais ameaçadora, pondo em xeque o bem-estar da população e a disponibilidade de recursos. E, como apontou Yuri Schmitke A. Belchior Tisi, presidente executivo da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), o Brasil é um dos piores países do mundo no que se refere à gestão de resíduos sólidos.
Para ele, é urgente eliminar a disposição final de RSUs em lixões e aterros controlados, buscando desviar 20% do total de orgânicos até 2024. “Isso pode gerar necessidade de novas destinações e tratamento para quase 100 mil t/d de resíduos, aplicando soluções efetivas”, afirmou Tisi na BW Expo Summit | Digital – 3ª Biosphere World.
O momento é oportuno, uma vez que o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR) vem permitindo monitorar os resíduos nos municípios. “No SINIR estão as informações mais importantes para monitoramento dos resíduos sólidos”, afirmou Luiz Gonzaga Alves Pereira, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre). “Dá para perceber, por exemplo, a enorme capacidade do país para biogás, a partir de gás metano oriundo de aterros.”
Segundo ele, o governo federal, em cooperação com a Abetre, conseguiu implantar o SINIR em 133 dias. Lançado em meados de 2019, o sistema é um dos principais instrumentos de avaliação e reformulação de ações no âmbito da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) no país. Por meio do sistema, estados e municípios disponibilizam as informações referentes a resíduos sólidos sob sua esfera de competência, de forma sistematizada, permitindo o monitoramento dos avanços na gestão em diferentes recortes geográficos. “Isso inclui desde o estadual até o municipal e regional, assim como outros, a exemplo das bacias hidrográficas, biomas, zonas de fronteira e faixas litorâneas, permeando sobre as diferentes faixas populacionais e consolidando um panorama nacional”, descreveu Pereira.
Em Brasília, (DF), como relatou o professor Leandro Grass, deputado distrital do Distrito Federal, vem ocorrendo ações como a refundação da Frente Parlamentar Ambientalista e a abertura de uma nova frente, abrangendo os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), para incrementar a política de resíduos sólidos. “Desenhamos um projeto com diretrizes para tratamento de resíduos urbanos, que se transformou na Lei Nº 6.518, que estabelece uma política distrital para a atividade. “A legislação traz segurança jurídica, mas ainda falta intensificar o diálogo e criar parcerias, buscando escala nos resultados”, disse. “Existe um tensionamento político por trás disso e a gente caminha a passos lentos, infelizmente.”
Tanto melhor que o Brasil também já conta com tecnologias disponíveis de reciclagem, biodigestão, compostagem e tratamento anaeróbico e térmico, por exemplo. “Faltavam uma tarifa adequada e contratos de longo prazo, mas isso já foi solucionado”, frisou Tisi. “Com tratamento integrado, podemos chegar a 32% de participação, como na Alemanha.”
ESTRATÉGIA
Na Europa, aliás, a economia circular e a reciclagem apresentam diferentes patamares entre os países. Como destacou Peter Kurth, presidente da Federação Europeia de Gestão de Resíduos e Serviços Ambientais (FDE), a Comissão Europeia criou em 2019 o ‘European Green Deal’, uma estratégia de consumo sustentável que pretende transformar a realidade dos resíduos no continente. “É uma estratégia abrangente para transformar a Europa em uma economia sustentável”, disse.
Segundo ele, a estratégia tem dois pilares: redução das emissões de CO2 e uso de recursos materiais, de modo a combater a perda de biodiversidade, impulsionar a produção, reduzir a dependência e gerar empregos. “Além de reduzir as emissões, a gestão de resíduos é reconhecida como um setor chave na produção de matérias-primas secundárias para as indústrias.”
Em março de 2020, foi publicado um novo plano de ação, especialmente por conta da pandemia. O escopo, explicou Kurth, abrange uma série de ações legislativas, em especial a revisão do regulamento de descarte, da diretiva de embalagens e baterias e dos objetivos de reciclagem para resíduos industriais e comerciais. “A Comissão Europeia propõe 25 bilhões de euros para investimento em infraestruturas e atividades de reciclagem de resíduos entre 2020 e 2021”, destacou.
O plano inclui uma forte política para industrializados, como garrafas pet, que até 2025 devem obrigatoriamente apresentar 25% de conteúdo reciclado. Em relação a outros materiais, o dirigente destacou que a Europa é a principal usuária de cobre e aço reciclado do mundo. “Estima-se que quase 50% do cobre consumido na Europa têm origem na reciclagem”, afirmou Kurth.
No Brasil, o plástico é alvo prioritário de ações. Fundador da Bioenergia e da Recupera, Flavio Ramalho Ortigão ressaltou na BW a importância da (re)utilização de plásticos em processos de gaseificação para a produção do hidrogênio branco, sem qualquer tipo de emissão de poluentes, o que pode reduzir a poluição causada pelo material, considerado um dos “vilões” do meio ambiente.
Segundo o especialista, o chamado hidrogênio branco é uma maneira viável de transformar o descarte de plásticos de uso único em uma solução eficaz. “O hidrogênio branco tem ligação direta com a economia circular, pois pode ser produzido por meio da conversão de plásticos”, disse Ortigão. “Dessa maneira, reduz-se a emissão de carbono na atmosfera, ou seja, o reúso dos plásticos tem um componente forte de sustentabilidade.”
WASTE-TO-ENERGY
Por falar em conversão, uma das apostas – ainda que controversa – é o Waste-to-Energy (WtE), um conceito composto por tecnologias que permitem transformar resíduos sólidos em energia. Segundo o engenheiro Francisco Leme, CEO da W4 Resources, a geração de resíduos no país chega a 80 milhões de t/ano, sendo que em 2018 apenas 1 milhão foram utilizados como fonte de energia, principalmente na indústria cimenteira.
A utilização em centrais de cimento e para produção de energia e vapor tem potencial de subir para 11 milhões de toneladas até 2024, sem contar pneus e biomassa. “O mercado pode chegar a 55 milhões de toneladas de CDR (combustível derivado de resíduos) em duas ou três décadas”, afirmou. “Oxalá seja mais rápido.”
Para Flávio Matos, diretor da Wteec, apenas nas regiões metropolitanas do Brasil há um potencial de tratamento de 97 mil t/dia de RSU por meio de WtE. Segundo ele, nas cidades com mais de 1 milhão de habitantes vivem aproximadamente 48% da população brasileira (100 milhões de pessoas). “Há um potencial considerável para instalação de plantas WtE nessas localidades”, destacou.
Considerando o potencial calorífico (átomos de carbono) que os resíduos podem gerar, Matos calcula entre 7.000 e 8.000 kJ/kg. “Assim sendo, a capacidade de geração de energia a partir de RSU das regiões metropolitanas atinge cerca de 2.400 MW de potência instalada, o que representa cerca de 3% do total da geração instalada no país, caso todos os resíduos fossem convertidos em energia a partir do tratamento térmico”, afirmou.
Para a cadeia produtiva, são números atraentes. “O potencial de 97 mil t/d de CDR processadas via WtE representa 18,9 GWh/ano, com quase 2,5 mil MWe de potência instalada nas regiões metropolitanas e movimentação de R$ 160 bilhões”, detalhou Tisi.
Segundo ele, em 2018 o Brasil produziu 78 milhões de toneladas de RSUs, sendo que, de acordo com dados gravimétricos de diversos estudos, os plásticos flexíveis compõem 15% do total, ou 11,7 milhões de toneladas. E os RSUs são responsáveis por 3% a 5% das emissões de gases como o metano (CN4), que é 25 vezes mais nocivo que o CO2. Além de gerar energia limpa e aquecimento, a tecnologia WtE reduz em oito vezes as emissões, contabilizando 2.430 plantas no mundo em 2018, destacou Tisi. “Já são 1.172 unidades no Japão, 522 na União Europeia, 339 na China, 87 nos EUA e 22 na Índia”, precisou. “E no Brasil, nenhuma.”
De acordo com Amaro Pereira, professor do Programa de Planejamento Energético da UFRJ, a disponibilidade de recursos no Brasil é uma vantagem que não pode ser desperdiçada. “O aproveitamento energético de resíduos é um potencial que não se pode descartar”, falou na BW.
PRODUÇÃO
Seja por pirólise, incineração ou gaseificação, o processo WtE requer alinhamento com a demanda, controlando características como classificação de granulometria, composição, ponto de fulgor, umidade e radioatividade (contaminação) do resíduo, que pode passar por trituração, secagem, mistura, compactação, separação e transporte logístico. “É fundamental definir em contrato o tipo de resíduo”, alertou Leme. “Do mesmo modo, toda planta precisa ter sistema de combate a incêndio, triturador e laboratório para análise das especificidades.”
Os tipos mais comuns de plantas incluem modelos como ‘single pass’ (que não serve para RSU) e ‘Classe II’ simples (com capacidade de 160 mil t/ano), equipada de trommel e separadores óticos, de ferrosos, pastosos e líquidos. “Com 120 plantas de compactação, o Reino Unido exporta 3 milhões t/ano de CDR, enquanto a Suécia tem um porto específico com capacidade de 500 mil t/ano”, comentou Leme, projetando um potencial para esse mercado no Brasil de 15 milhões t/ano, incluindo participação de 30% de cimenteiras. “Temos necessidade de 300 plantas, mediante um investimento de 800 milhões de dólares”, resumiu.
Segundo os dados do projeto Recupera sobre gaseificados compactos, é possível converter plásticos à razão de 1 t/h. Considerando 8.000 h/ano, chega-se à produção de 144 kg de H2/h. “Ou seja, temos um potencial de 1.684.800 H2/ano desperdiçado”, lamentou Leme. “O preço de mercado do hidrogênio está em 15 dólares/kg, o que remete a uma perda de valor de 25,2 bilhões de dólares/ano. É isso que o Brasil perde ao enterrar energia limpa.”
Todavia, segundo Julien Dias, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e sócio da Economizenergia, são necessários estudos que contemplem a viabilidade econômico-financeira para validação do planejamento estratégico em WtE, incluindo fontes de recursos e análise de viabilidade. “Como são projetos de infraestrutura relacionados à venda de energia, gás ou outros insumos, é importante ter a visão do investidor”, explica. “O objetivo é a redução nos custos do serviço ou matéria-prima.”
Segundo o especialista, a viabilidade econômico-financeira de projetos de infraestrutura é baseada em um tripé, que consiste em receitas, tecnologia/insumos e taxa de retorno. “Esses três pontos permitem maximizar a alavancagem e a rentabilidade dos ativos”, completou.
CIRCULARIDADE
A transformação de resíduos em energia vem ganhando força, mas há quem apresente visão diferente. Com décadas de experiência no setor, o fundador e presidente da Zero Waste International Alliance, Richard Anthony, acredita que os resíduos devem ser encarados como commodity – e não incinerados. “Criar um mercado para reciclados é mais barato que extrair novos insumos”, disse. “Não há lado de fora do planeta, de modo que é urgente estancar a destruição do meio ambiente, que não suporta mais o abuso.”
A equação é cada vez mais ameaçadora, alertou Anthony, pois os recursos estão se reduzindo e a população aumentando. “Distúrbios ambientais e climáticos, preços da matérias-primas subindo sem parar, são vários os sinais”, apontou. O especialista salientou que é viável obter uma economia de 90% com a reciclagem (considerando que 1 tonelada de lixo equivale a 71 toneladas em material e energia). “Mas recuperar a energia inerente via incineração e aterros não é solução, pois são processos que geram cinza tóxica, gases sem controle e vazamentos de chorume, que evidentemente não fazem parte do fechamento do ciclo da economia circular”, provocou. “O melhor é emular a natureza, na forma como faz a gestão de recursos, por biomimética.”
Para ilustrar, Anthony fez referência ao ‘cradle-to-cradle’ (literalmente, ‘do ‘berço ao berço’), conceito de William McDonough no qual o ‘buraco negro energético’ pode ser compensado com o processamento orgânico via biodigestor, produzindo biogás e compostagem. “As empresas estão comprando a ideia de reciclagem, manutenção, reúso e reaproveitamento”, observou. “Afinal, são commodities vendáveis, que têm valor.”
Na mesma linha, o presidente do Instituto Lixo Zero Brasil (ILZB), Rodrigo Sabatini, também vê problemas na incineração. “A questão do resíduo é complexa, envolve política, comportamento, economia, natureza, cultura”, afirmou, destacando que as usinas são grandes e caras, não geram muitos empregos e concentram poder e renda. “Em termos tecnológicos a incineração é uma solução simplória, banal e medíocre, é andar na contramão da história e fechar os olhos para o problema.”
A solução, acentuou, é educar para reduzir a geração e aumentar o reaproveitamento, apostando na cidadania. “É uma questão de princípios sobre o futuro e de participação ética coletiva, alinhada à cultura de preservar”, disse. Segundo Denise Braun, fundadora da All About Waste, consultoria de empreendimentos comerciais sustentáveis nos EUA, a meta é ambiciosa, uma vez que ‘lixo zero’ significa desviar 90% dos resíduos sólidos gerados. “A ideia é mudar o estilo de vida das pessoas no que se refere aos materiais e à forma com que lidamos com resíduos”, disse ela, destacando a importância de treinamento e certificações – como TRUE e LEED – na adoção de modelos de circularidade, tanto na produção como no consumo. “As pessoas e empresas têm poder de compra, o que é muito importante.”
A diretora de gestão interna da Juventude Lixo Zero Brasil, Laís Vidotto, destacou que o desafio é redefinir o conceito de lixo, reinserindo os materiais na cadeia produtiva. “A problemática do lixo não é só ambiental, mas também social e econômica”, sublinhou. O vice-presidente do ILZB, Kadmo Cortes, reforçou a ideia, destacando que as cidades precisam ser guiadas nessa necessária mudança de hábitos, incentivando os ciclos naturais sustentáveis. “O que precisamos é elevar a ideia de manejo e gerenciamento para um conceito de gestão integrada de resíduos sólidos, atribuindo-lhe um caráter multidimensional”, afirmou. “O objetivo é promover uma cadeia restaurativa e não predatória, pensar no coletivo.”
Para Mateus Peçanha, diretor de projetos do ILZB, que chega a 175 cidades brasileiras e já promoveu mais de 10 mil de cursos de educação ambiental, o mundo se encaminha irreversivelmente para uma realidade sem lixo. “Mas, para isso, ainda precisa ocorrer uma transformação”, disse.
DINÂMICA
O que já pode estar acontecendo. Para superar o padrão linear de consumo, já há espaço até mesmo para experiências em limpeza doméstica (homecare), um mercado de 156 bilhões de dólares no mundo, em que o Brasil ocupa a 4ª posição. É o caso da startup YVY Brasil, que desenvolve produtos com conceitos sustentáveis, em cápsulas de 40 ml. “Como 90% dos produtos de limpeza são compostos por água, se você retirar essa água e vender apenas o produto concentrado, obtém redução de 2/3 no uso de plástico”, destacou Marcelo Ebert, CEO da empresa.
Essa nova abordagem de produto como serviço é fundamental. Como notou Mike Oliveira, gerente de cidades para a América Latina da Fundação Ellen MacArthur, ainda persistem conceitos ultrapassados que não dão conta do desafio que representa a transição para uma economia circular.
Segundo ele, é preciso respeitar os limites dos recursos, mantendo em uso, regenerando e promovendo mudanças de design. “Com 66% da população mundial nas cidades no futuro próximo, o desafio é promover uma recuperação mais distributiva, uma retomada mais consciente no pós-pandemia”, disse. “Isso será benéfico para as empresas também, que adotam uma forma mais racional no uso de matérias-primas e repensam processos, além de constituírem uma alavanca para políticas públicas, para uma sociedade mais engajada, com regulação e gestão urbana.”
Essa abordagem colaborativa, reforçou, é essencial para mudar a dinâmica dos fluxos de materiais, pois as “empresas e governos não conseguem fazer sozinhos”. “Precisamos de um sistema integrativo e inclusivo, que estimule novas formas de negócio”, sugeriu.
Em sua visão, somente iniciativas sistêmicas podem criar um ecossistema de inovação, gerando novas formas de consumo, produtos e serviços que privilegiem o local, na chamada ‘glocalização’. “Está ocorrendo um boom de economia circular que, de um tema insípido, entrou para a agenda de decisões das empresas, o que a covid-19 só acelerou”, constatou Oliveira, alertando que as empresas que ficarem para trás neste processo vão perder espaço. “Sair da zona de conforto é um diferencial de mercado, pois o conceito de posse vai mudar, teremos ‘usuário’ e não mais ‘dono’. Terão de desafiar esse modelo.”
Ao que tudo indica, a indústria está atenta a esse movimento. De acordo com Anícia Pio, gerente do Departamento de Desenvolvimento Sustentável da Federação das Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp), a indústria paulista já internalizou a ideia de trabalhar com um novo perfil do consumidor, investindo em tecnologias para reutilizar e regenerar.
Mas há muito a caminhar ainda. Além da viabilidade econômica, há falta de capacitação e de conhecimento para se trabalhar a cadeia de valor coletivamente, principalmente nas micro e pequenas empresas. “O esforço é de promover o uso eficiente dos recursos, repensar o design de produtos e o próprio modelo de negócio e sua circularidade, adotando políticas de economia circular”, disse a especialista.
RECICLAGEM
Uma das formas de fazer isso é por meio da reciclagem, uma atividade vista como fundamental dentro do conceito de construção sustentável. Até porque o setor da construção gera 60% dos resíduos sólidos urbanos. Mas pela estimativa de Hewerton Bartoli, presidente da Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção (Abrecon), atualmente apenas 5% dos RCDs gerados nas obras são reciclados. “É ínfimo, mas não tinha nada antes”, destacou.
Segundo Bartoli, 70% dos resíduos vêm de pequenas obras, tendo as usinas como destinatários e caçambeiros e demolidoras fazendo o elo. “Estamos em uma inércia burra, pois ninguém está satisfeito, nem governo, nem geradores, transportadores ou recicladores”, desabafou. “As cidades não têm planos, e é caro limpar pontos viciados.”
A saída, ressaltou o dirigente, passa por estabelecer uma gestão mais proativa e estruturada de fiscalização, com uso de drones ou sistemas eletrônicos, por exemplo, para controle da cadeia. “O problema é que o resíduo não chega aos destinatários, e o mercado não tem maturidade para receber”, disse.
Para ele, a reciclagem e o controle da geração garantem uma destinação mais adequada. “Falta conhecimento e gestão para um combate mais efetivo ao descarte clandestino, com políticas públicas mais maduras”, afirmou Bartoli, para quem o entulho é uma questão de saúde pública. “Os resíduos podem ser reinseridos como produto, mas isso implica um plano que cubra todos os atores, condicionando alvarás de obra ao cumprimento do plano, por exemplo”, sugeriu. Também ajudaria regulamentar o transporte por caçambas. “É uma mudança gradual, pois é um processo cultural”, refletiu Bartoli, comentando a possibilidade de adoção de ‘tarifas do lixo’. “Humano só age pela dor”, disparou.
Grave, o quadro exige a criação de mecanismos para minimizar, reciclar e reutilizar o entulho. Como ressaltou o diretor técnico da DVS, Valmir Bonfim, o uso de RCD reciclado como sub-base na construção e manutenção de rodovias é um caminho, pois gera uma economia significativa nas obras, além de reduzir o impacto do material no ambiente. Em uma unidade de reciclagem, disse ele, podem ser produzidos diversos tipos de materiais, com diferente granulometria: rachão reciclado, RCD britado (sub-base), RCD espumado (estabilizado com espuma de asfalto) e RAP (base), resultado de processos tanto ‘a quente’, quanto ‘a frio’, ‘in situ’ ou ‘na usina’.
Para obter superfícies sem trincas, a operação in situ utiliza máquinas como WR 2500, que faz a correção granulométrica, espalhando na pista o RAP (Reclaimed Asphalt Pavement, ou Revestimento Asfáltico Reutilizável). Já em usina, são utilizadas soluções como a KMA 200, explicou o especialista, citando cases recentes na rodovia dos Bandeirantes, BR-101/RJ e Rodovia Ayrton Senna. “O material reciclado fica 6 meses ganhando coesão e resistência”, esclareceu. “Nesse tempo, fazemos acompanhamento deflectométrico com FWD (Falling Weight Deflectometer), para apurar a eficácia do material.”
Por vezes, também é aplicada a conhecida “camada de sacrifício”, quando é necessário trocar a cobertura para recomposição da pista, o que é feito com a fresagem. “Reciclagem não é mais experimento, mas sim realidade”, disse Bonfim, apontando a qualidade do RCD cinza, resultante da fresagem. “Os resíduos sólidos são excelentes para essa técnica.”
Outra maneira de reutilizar o RCD é reinseri-lo na cadeia como produto industrializado, garante Luciano Mandiga, gerente de concreto e materiais da Guarani. Segundo ele, que relatou na BW um case de logística reversa em sua empresa, havia uma média de 3% de perda de materiais na operação, que se acumulavam e tinham custo elevado de destinação.
A solução, disse Mandiga, foi comprar um britador com capacidade de 34 m3/h, que processa quatro tipos de materiais: brita 1, rachão gabiãozinho, pedrisco e areia artificial. “Trata-se de um material cinza de boa qualidade, que atende à norma para uso em concreto e argamassas não estruturais”, comentou. “Mas em 2021 será aprovada a nova norma, que também permite uso de até 20% para concreto de classe 1 ou 2 de agressividade.”
Isso tende a aumentar o valor do material, explicou, que pode saltar da faixa de 15-17 reais/m3 para cerca de 40-45 reais/m3. “Atualmente, nossa produção é de 1.200 guias/dia feitas com material reciclado, sendo 60% pedrisco e 40% areia”, contou. Além das guias, outra parte é vendida, criando uma demanda crescente para uso dos resíduos em acessos de obras, estacionamento e calçadas ecológicas, por exemplo. “É um material de boa qualidade, com resistência mecânica acima das exigências da norma”, pontuou Mandiga.
DESTINAÇÃO
Com o consumo desenfreado provocando danos ao ecossistema, as iniciativas de reciclagem, logística reversa, redução de geração de lixo e compostagem de orgânicos estão conquistando cada vez mais espaço. O que falta é as pessoas incorporá-las, de fato, como hábito cotidiano, o que requer iniciativas de educação ambiental por parte da gestão pública.
Segundo Antonio Oswaldo Storel Júnior, consultor sênior em gestão sistêmica da Humusweb, o resíduo orgânico – que representa mais de 50% dos resíduos domésticos e urbanos – podem ocasionar sérios riscos de contaminação, por darem origem ao chorume. “Esses rejeitos devem virar compostagem, não rejeito”, apontou.
O principal, disse ele, é realizar corretamente a separação, pois a mistura de materiais orgânicos com técnicos gera contaminação. “A lata de lixo é um problema, porque as pessoas misturam restos de alimentos, plásticos, metais tóxicos, tecidos, entre outros, sem se preocupar em separá-los para dar a destinação correta”, alertou, destacando que a ideia é modificar completamente a forma dos produtos, de maneira a eliminar os rejeitos. “É preciso entender que, na natureza, não existe reciclagem, tampouco resíduos. Nada sobra, tudo é transformado num fluxo permanente”, reforçou.
Storel afirmou que o resíduo orgânico pode deixar de ser perigoso para se transformar em algo benéfico ao ambiente, transformado em composto. “Estamos vendo a formação de um grande mercado para a compostagem de resíduos orgânicos segregados na origem”, pontuou. “É um mercado promissor, que envolve o resíduo orgânico rural e agroindustrial, mas também o gerado domesticamente.”
De acordo com o especialista, o artigo 9º da Política Nacional de Resíduos Sólidos, por meio da Lei 12.305/2010, proibiu a destinação de RSUs para aterros sanitários, definindo a reciclagem biológica como ação prioritária obrigatória para redução do volume e recuperação energética. “Temos a lei do nosso lado”, completou Storel. “E ela determina que seja priorizada a separação dos resíduos em frações, evitando contaminação do resíduo orgânico desde o início.”
Para Lucas Arruda, diretor da Companhia de Melhoramentos da Capital (Comcap), que desenvolveu um projeto de conscientização em Florianópolis (SC), a tarefa primordial é desviar os resíduos dos aterros. “As tecnologias de reaproveitamento de orgânicos geram subprodutos como adubo, que pode ser aproveitado pelas cidades”, atestou.
Nesse sentido, alguns cases mostram caminhos promissores. De acordo com Rafael Teixeira, diretor do Grupo Rafa Entulhos, é imperativa a necessidade de uma gestão de reciclagem e logística reversa. “Enfrentamos desafios como a falta de lastro ambiental, de rastreabilidade”, refletiu na BW. “Isso traz a urgência de criar ferramentas.”
Lembrando que depositar resíduos de maneira imprópria constitui crime ambiental, Teixeira acentuou a responsabilidade do gerador, que sofre com desvios das caçambas de entulho. Para evitar a situação, a Rafa Entulhos adotou um sistema por RFID (Radio-Frequency IDentification), com etiquetas para controle logístico. “Já havia tentado com GPS e QR Code, mas as condições não permitiram”, relatou.
Com baixo custo de implementação, o sistema só funciona dentro da unidade e identifica os equipamentos, sem risco de fraude, garantindo que o resíduo chegue ao destino. “Não basta ser autodeclaratório, mas precisa de ferramentas tecnológicas para rastrear”, disse Teixeira, que também adotou a solução ‘Tracking Rotas’, um sistema inteligente de logística que auxilia na coleta de embalagens pós-consumo. “O algoritmo organiza as rotas dos caminhões, permitindo uma redução de 30% no número de veículos”, explanou.
Na mesma linha, a implantação do Manifesto de Transporte de Resíduos (MTR) nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais vem evidenciando a importância da ferramenta para o rastreamento de resíduos sólidos.
Para o transporte, a lei determina que o resíduo levado para o destino final tem de ser acompanhado por um MTR, capaz de rastrear e controlar sua geração, armazenamento temporário, transporte e destinação. “O sistema permite o rastreamento dos resíduos pelos órgãos ambientais dos estados e municípios, bem como pelas empresas gestoras de resíduos”, salientou Odilon Amado, responsável pelo projeto. “Com o sistema, o gestor passa a ter certeza sobre o tratamento adequado.”
De acordo com ele, cerca de 35 milhões de toneladas são despejadas nos lixões todos os anos no Brasil. “Com o MTR, o objetivo é lixão zero nos próximos anos”, destacou. “A operação do MTR é feita on-line, fornecendo ao órgão ambiental um panorama geral tanto da quantidade de resíduos produzidos nas atividades industriais e comerciais, como sua origem e, principalmente, o destino final.”
Em limpeza urbana, esse avanço é crucial, pois os RSUs constituem uma preocupação crescente. Para Márcio Matheus, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb) e do Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana (Selur), os resíduos são um dos mais graves problemas de natureza econômico-financeira da atualidade. “Lixão é uma prática medieval, inaceitável”, exasperou-se.
Segundo ele, a adoção de um modelo de custeio pode reduzir a geração. “A reciclagem é responsabilidade individual do gerador, de modo que devemos adotar o princípio do poluidor-pagador”, sugeriu. Ao se tornar um serviço, a limpeza urbana migrou para o centro da economia comportamental, ele acentuou, mas precisa de estímulos.
Atualmente, 61,6% dos municípios do país não têm fonte de arrecadação. “O orçamento é incerto, só 10% são destinados aos serviços”, destacou Matheus, para quem há distorções no sistema, reflexos do modelo de gestão. “Grande parte do país não cobra e também não destina adequadamente os resíduos. Ainda estão na era medieval, e o passivo só se agrava.”
Com adequações legislativas e agências reguladoras, os municípios podem diluir os custos se juntando, sugeriu o dirigente, aproveitando-se de um conjunto de estruturas baseado na malha rodoviária. “Maiores distâncias significam maiores custos”, afirmou, apontando que o modelo de “consórcio não parou em pé”. “Os aterros regionais, com municípios âncoras e modicidade tarifária, permitem obter redução do custo unitário, com ganhos de escala”, acrescentou.
MODELAGEM
No que tange aos modelos de cobrança, o Brasil ainda não fez a lição de casa, destacou Carlos Rossin, membro da comissão de sustentabilidade da PwC Brasil. Citando uma pesquisa da EY, ele sublinhou que a cobrança está consolidada mundialmente. “O custo operacional (mão de obra, frota, combustível etc.) exige isso”, sustentou. “Assim como exige arcabouço regulatório específico, oferta eficiente, sustentabilidade financeira, viabilidade técnico-financeira, proporcionalidade, transparência e equidade.”
O especialista destacou que são utilizados diferentes modelos ao redor do mundo, como fixo (estimativa), por utilização (por volume/peso) e combinada (quando escapa aos parâmetros de equidade horizontal). “A desigualdade social influi na adoção desses modelos”, disse ele. ‘Tanto que nos países mais desenvolvidos prevalece o sistema PAYT (‘Pay as you Throw’, ou pague o que descartar, em tradução livre), e nos menos desenvolvidos a tarifa é fixa (social ou estimativa).”
No âmbito institucional, também há ações direcionadas. Apoiada pelo Instituto Ethos, a Rede Brasil do Pacto Global da ONU busca manter a integridade do setor de resíduos sólidos, limpeza urbana e efluentes. Reunindo empresas e entidades de classe, o movimento busca criar um modelo de autorregulação para preservar a reputação do setor, notoriamente em relação à governança. “Isso é necessário para segurança dos investimentos, criando referências de conduta e sanções que elevem os padrões”, explicou Diógenes Del Bel, assessor da Abetre.
Nos últimos dois anos, o Pacto já produziu cartilha e manual de governança, projetando cenários e medidas de prevenção. Dentre os pontos trabalhados está o estímulo à concorrência leal e à geração de oportunidades, assim como orientações sobre multas indevidas, contrapartidas, formação de carteis, lavagem de dinheiro, subornos e fraudes, tanto em licitações quanto na aprovação dos serviços, além de precauções quanto a pesagem e pagamento do material. “A transição para o IBRIC (Instituto Brasileiro de Autorregulação do Setor de Infraestrutura) exige uma visão de amadurecimento, uma iniciativa mais forte de abrangência”, disse Del Bel. “Isso implica elaborar instrumentos de gestão, maior cooperação entre os setores público e privado e ampliação dos signatários.”
Manutenção é crucial para usinas WtE
Com 30 Unidades de Recuperação Energética (URE) na Suíça, a Swan Analytische Instrumente é uma das empresas com maior know-how no segmento WtE. De acordo com o engenheiro Oscar Kimura, diretor de vendas da companhia para a América Latina, o risco de arraste mecânico é o maior problema nas plantas, que precisam contar com instrumentação analítica e monitoramento de fluxos de amostra. “Isso para garantir a química correta da água nesses sistemas”, esclareceu.
A razão é que a incineração de lixo implica controle estrito do ciclo água/vapor, que movimenta a turbina nas usinas. “O controle da química da água evita corrosão dos componentes, ajudando na proteção das superfícies metálicas”, explicou. “Assim, o monitoramento das fontes de contaminação e observância dos parâmetros críticos de operação da planta são essenciais nessa manutenção.”
A manutenção das usinas de incineração direta de resíduos apresenta outros fatores críticos que merecem atenção. Como explicou Giulia Kaminski Tramontin, membro da WtERT Brasil, trata-se de uma instalação complexa, na qual se busca evitar ao máximo as corretivas e paradas não programadas, garantindo a disponibilidade da caldeira. “Além da eficiência do ciclo vapor, exigem atenção aspectos como sistema de transporte das cinzas, garras, bombas d’água e pontes rolantes”, descreveu Tramontin, que atuou com soluções da CNIM na Europa.
Outra especificidade mencionada é a gestão de manutenção computadorizada da usina, que requer acompanhamento em tempo real dos indicadores de desempenho. Utilizando ferramentas da Indústria 4.0, como digital twin (gêmeo numérico) e gap analyser (software), desenvolve-se um simulador de usina virtual automatizada, cujo modelo matemático é conectado ao controle de processos, indicando discrepâncias entre virtual e real. “Às vezes, não se presta atenção em detalhes, que são extremamente importantes em uma estrutura de alto investimento como essa”, comentou Tramontin. “Um limitador de uma planta como essa é o superaquecedor”, exemplificou Daniel Sindicic, CEO do Grupo Lara. “Se trabalho com temperaturas acima de 400º C, posso ter problema de corrosão acelerada.”
Projeto diminui geração d eresíduos em bares e restaurantes
De acordo com Ian McKee, curador do Núcleo Economia Circular da BW, a economia circular é fundamentada em dois ciclos: o biológico, que consiste em materiais naturais, e o técnico, que tem por base produtos que não deveriam acabar em um aterro sanitário, mas serem reaproveitados.
“É preciso dar continuidade ao resíduo de origem”, afirmou.
Uma ação interessante nesse sentido é o Instituto Ecozinha, que já conseguiu desviar mais de 90% dos resíduos gerados por bares e restaurantes em Brasília (DF). O instituto nasceu em razão do PNRS, ajudando bares e restaurantes a repensar suas atividades e atender à lei. O desafio foi pensar na separação e logística eficiente, encaminhando os orgânicos para a compostagem.
Projeto desvia mais de 90% dos resíduos gerados por bares e restaurantes em Brasília
Nas cozinhas dos estabelecimentos não há lixeiras, mas pequenas bombonas para acondicionamento dos orgânicos. Os recicláveis são depositados em bunkers, onde catadores podem retirar, pesar e vender. Utilizando metodologia própria, o projeto promoveu uma diminuição considerável do resíduo produzido nesses estabelecimentos, em especial orgânicos e vidro. “O primeiro passo para a separação correta dos resíduos é a educação ambiental, seguida da diminuição do desperdício”, disse McKee, destacando que 100% dos resíduos produzidos por grandes geradores seguiam para aterros como rejeito. E, hoje, foi possível reverter isso. “No momento em que separo o orgânico, que compõe 65% do resíduo em um restaurante, e o vidro, que corresponde a 15% e é 100% reciclável, contabilizo 80% de reaproveitamento”, citou. “O restante é rejeito.”
Resíduo eletrônico preocupa cada vez mais
Segundo Vilmar Simion Nascimento, coordenador da organização Programando o Futuro, os resíduos eletrônicos também constituem um grave problema ambiental. O Brasil oscila entre a 6ª e 7ª colocação no ranking dos países que mais geram lixo eletrônico, observou. “A boa notícia é que os brasileiros têm arraigado em sua cultura o costume de reaproveitar objetos.”
O especialista citou o trabalho da Metarreciclagem, associação que faz o recondicionamento dos resíduos eletrônicos, que retêm os “rastros” de procedência, característica importante tanto para a logística reversa como para a economia circular. A empresa espalha caixas pela cidade, para as pessoas descartarem o lixo eletrônico. São os chamados PEVs (Pontos de Reciclagem Voluntária), distribuídos por 100 pontos em escolas, estações de metrô e outros locais de Brasília. “Um problema recorrente é o costume de se esconder esses objetivos inutilizados dentro de armários, gavetas, guarda-roupas e, por fim, esquecê-los”, constatou Nascimento. “Por isso, é importante deixá-los em pontos de coleta.”
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