Waste-to-Energy no BRICS: caminho estratégico para a transição energética e oportunidade para o Brasil (CanalEnergia)

A valorização energética de resíduos também é apontada como um elemento central da economia circular

Os países que compõem o BRICS — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — vêm se destacando como protagonistas na busca por soluções sustentáveis para a matriz energética global. Em meio a esse esforço, a conversão de resíduos sólidos urbanos em energia, conhecida como waste-to-energy (WtE), desponta como uma tecnologia de valor estratégico, integrando objetivos ambientais, energéticos e sociais. Com grande potencial para reduzir as emissões de metano, substituir fontes fósseis e impulsionar a economia circular, o WtE ganha cada vez mais espaço nas agendas técnicas e de cooperação internacional do bloco.

O BRICS Energy Technology Report 2021, uma das publicações técnicas mais relevantes do bloco, reconhece explicitamente o papel da tecnologia waste-to-energy como parte das soluções modernas para geração de energia. O documento descreve: “Resíduos. Ciclo combinado gás-vapor para usinas de incineração e centrais elétricas (waste-to-energy e turbina a gás, WtE-GT). Sistema de ciclo de reaquecimento.” [1]

Essa citação demonstra que os países do BRICS já consideram o WtE como uma opção tecnológica legítima e avançada dentro de sua matriz energética. A combinação de sistemas térmicos modernos com turbinas de gás e processos de recuperação de calor mostra que o bloco busca alinhar eficiência energética com sustentabilidade ambiental. Essa abordagem abre caminho para o fortalecimento de políticas públicas e investimentos em infraestrutura voltada à valorização energética de resíduos, especialmente em países que possuem alta geração de resíduos urbanos, como o Brasil.

No relatório sobre a agenda climática urbana do BRICS, a implantação da primeira planta de WtE da África em Adis Abeba, Etiópia, é destacada como exemplo de inovação tecnológica e gestão eficiente de resíduos: “Adis Abeba se tornou a primeira cidade da África a construir uma usina de waste-to-energy em 2018. A planta utiliza tecnologia moderna de tratamento de gases de combustão.” [2]

Esse caso reforça a viabilidade do modelo WtE para países do Sul Global, inclusive em contextos com restrições orçamentárias. A adoção de tecnologias avançadas, como a purificação dos gases da combustão, demonstra que é possível alinhar desenvolvimento urbano com controle ambiental. Cidades brasileiras, especialmente as regiões metropolitanas, poderiam se beneficiar desse modelo, adaptando-o às suas características sociais e estruturais. A transferência tecnológica e a cooperação Sul-Sul são instrumentos que o BRICS pode fomentar, estimulando parcerias entre operadoras públicas e privadas.

A valorização energética de resíduos também é apontada como um elemento central da economia circular. Um estudo técnico citado nas discussões do BRICS destaca: “Os sistemas waste-to-energy (WtE) são cada vez mais reconhecidos como um componente estratégico da economia circular, oferecendo benefícios duplos na gestão de resíduos e na geração de energia.” [3]

Além de evitar o descarte em aterros sanitários, que geram emissões de metano e ocupam grandes áreas, o WtE contribui para a produção de energia firme e confiável, fundamental para a segurança energética nacional. Em outro estudo acadêmico, reforça-se essa perspectiva: “Esta revisão busca demonstrar que o waste-to-energy (WtE) é uma pedra angular essencial para a economia circular.” [4]

Essas análises sustentam a tese de que os países do BRICS têm na tecnologia WtE uma aliada concreta para atingir suas metas climáticas, modernizar o setor de resíduos e promover inovação industrial. No caso do Brasil, a implementação de projetos de WtE pode gerar empregos qualificados, atrair investimentos estrangeiros e estimular o mercado de crédito de carbono.

Com a realização de reuniões técnicas e cúpulas do BRICS no Brasil, o país tem uma oportunidade estratégica de liderar a pauta sobre WtE e apresentar projetos estruturantes alinhados às diretrizes do bloco. O Brasil possui ampla capacidade instalada em engenharia, possui marcos regulatórios em evolução e, sobretudo, um grande volume de resíduos sólidos urbanos passível de aproveitamento energético.

A ABREN (Associação Brasileira de Energia de Resíduos), por exemplo, já atua na promoção de tecnologias como o WtE, o biogás e o biometano, sendo um elo natural entre o setor privado brasileiro e as iniciativas multilaterais. Ao articular-se com os demais países do BRICS, o Brasil pode acelerar a captação de investimentos, fomentar a transferência de tecnologias da China e da Índia, e liderar programas regionais de descarbonização com base na energia gerada a partir de resíduos.

A diplomacia climática brasileira pode, portanto, utilizar o BRICS como plataforma de fortalecimento do setor WtE, inclusive integrando os projetos com os compromissos do Acordo de Paris e com a nova política nacional de hidrogênio e bioenergia.

Atualmente, existem mais de 3.000 linhas de tratamento WtE operacionais no mundo. A China é responsável por dois terços dos 300 milhões de toneladas de RSU tratados por WtE no mundo, tendo investido cerca de US$ 70 bilhões nas últimas duas décadas.

No caso do Brasil, levando em conta que os resíduos produzidos nas regiões metropolitanas, que são densamente povoadas, correspondem a 47% de todo o volume de resíduos gerados no país, verifica-se que, para recuperar a energia desses resíduos, são necessários investimentos de R$ 181,5 bilhões, com usinas totalizando 3,3 GW de potência instalada e a geração de 200 mil novos empregos. Ao todo, o país tem potencial para receber até 130 usinas de recuperação energética de resíduos, com 20 MW cada.

Além disso, espera-se uma arrecadação tributária de R$ 200 bilhões ao longo dos 40 anos de operação das usinas, com a mitigação de 86 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano.

A consolidação da tecnologia waste-to-energy no contexto dos BRICS representa não apenas um avanço técnico, mas uma resposta integrada aos desafios urbanos, ambientais e energéticos do século XXI. Com reconhecimento nos principais documentos técnicos do bloco e base sólida em experiências internacionais, o WtE desponta como solução concreta e promissora. Para o Brasil, trata-se de uma oportunidade de protagonismo regional e global, com benefícios sociais, ambientais e econômicos claros. O momento é propício para transformar resíduos em energia, e desafios em soluções sustentáveis.

Referências
[1] BRICS Energy Technology Report 2021 (p. 60). Disponível em:
https://yeabrics.org/wp-content/uploads/2022/02/getdocu-40.pdf
[2] Urban Climate Agenda – BRICS Climate Agenda Report. Disponível em:
https://urbanclimate.moscow/downloads/BRICS_Climate_Agenda_Report.pdf
[3] Identifying Key Driving Factors for Waste-to-Energy across EESG – ScienceDirect. Disponível em:
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2667378925000252
[4] Waste to Energy, Indispensable Cornerstone for Circular Economy – NCBI. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC11690026

Yuri Schmitke é Presidente Executivo da ABREN, sócio da FCR Law e Vice-Presidente LATAM do Global WtERT.

Fonte: https://www.canalenergia.com.br/artigos/53315969/waste-to-energy-no-brics-caminho-estrategico-para-a-transicao-energetica-e-oportunidade-para-o-brasil

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A ABREN integra o Global Waste to Energy Research and Technology Council (GWC) e é associada da Associação Internacional de Resíduos Sólidos ou International Solid Waste Association (ISWA)

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