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Equipe ABREN

A ABREN integra o Global Waste to Energy Research and Technology Council (GWC) e é associada da Associação Internacional de Resíduos Sólidos ou International Solid Waste Association (ISWA)

Entrevista de Yuri Tisi, para o Brasil Energia

Sob o título “A riqueza do lixo”, leia abaixo a primeira entrevista do primeiro presidente da recém criada Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos. Na entrevista dada ao jornalista Marcelo Furtado, da revista Brasil Energia, Yuri Schmitke Tisi explica as ações propostas pela nova associação.

Quais obstáculos o Brasil precisa ultrapassar para adotar de forma mais efetiva a recuperação energética de resíduos?
O país já tem as condições jurídicas, regulatórias e institucionais para seguir por esse caminho, não há nenhum entrave específico. Entretanto, é necessário em primeiro lugar melhor orientar os municípios para que eles façam uma gestão adequada dos resíduos, adotem uma gestão integrada e sustentável. Se isso ocorrer, o caminho inevitável será aproveitar o grande potencial energético dos resíduos, domésticos ou industriais, como provam as melhores práticas internacionais, na Europa, Estados Unidos, Japão, China, Índia ou Coreia do Sul.

Mas como fazer isso na prática e replicar a experiência internacional?
A regulação é a precursora desse movimento. E o Brasil nesse sentido ainda precisa fazer correções. A principal é alterar a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a lei 12.305/2010, que tem artigos que desestimulam a adoção das tecnologias de recuperação energética e que colocam, por outro lado, os aterros como solução ambientalmente correta. No mundo todo, e também para a ciência ambiental, o aterro é considerado a última e evitável opção, já que polui solos e corpos d´água e é o principal emissor de metano, o pior dos gases do efeito estufa.

De que forma a PNRS deveria ser alterada?
A Abren apresentou propostas de alteração da lei na Câmara dos Deputados e no Senado, cuja sugestão de projeto foi bem aceita e já está nas mãos de parlamentares de expressão que vão encaminhar os trabalhos legislativos. Para começar, propomos incluir as tecnologias de recuperação energética na ordem de prioridades do gerenciamento, antes da última opção, o aterro. Também pedimos a inclusão de artigo que determina que os resíduos sólidos que não forem reciclados ou processados por meio da compostagem sejam prioritariamente destinados à recuperação energética e não a aterros.

A política nacional atual desconsidera a recuperação energética?
Sim, porque, ao contrário dos países desenvolvidos, ela não a coloca na ordem de prioridades, o que afeta principalmente os municípios, que se orientam na política para fazer seus planos de resíduos sólidos. Embora no aspecto jurídico eles estejam amparados para implantar usinas térmicas com incineradores ou tecnologias como a gaseificação, a pirólise ou a biodigestão anaeróbica, essa posição desmotiva o aproveitamento do potencial. Aliás, na proposta, além de pedirmos a exclusão do conceito de que o aterro é uma solução ambientalmente correta, também recomendamos que a PNRS defina conceitualmente as soluções térmicas. Outro ponto importante da sugestão para o projeto de lei é a determinação de que os municípios criem planos de recuperação energética de resíduos.

Há uma queixa frequente de que os projetos no Brasil, principalmente de usinas WTE,
de alto investimento, não se viabilizam por dificuldades no financiamento. Não seria
importante também criar mecanismos para corrigir esse gargalo?

Sem dúvida. O principal problema é a dificuldade de apresentação de garantia para os
bancos na hora de buscar financiamento para os projetos. É por esse motivo que
defendemos a instituição de uma tarifa pelo lixo produzido, a ser cobrada junto com a
conta de água e esgoto, que substituiria a atual taxa de limpeza pública, vinculada ao
IPTU. O modelo atual não é aceito como garantia pelos bancos, pois essa taxa cai numa conta genérica de arrecadação do estado, fica sem lastro. Já a tarifa não, é uma garantia que pode ser tomada para a obtenção dos empréstimos bancários. Incluímos essa proposta no projeto ao Congresso.

Além da ação junto ao Legislativo, com o Executivo a Abren também tem mantido
conversas?
Sim, estamos atuando em três frentes principais com o MME. A primeira demanda é que seja reformulada a Portaria 65/2018, que trata da possibilidade de as distribuidoras contratarem por chamada pública até 10% do seu mix de energia em fontes incentivadas e em projetos de até 30 MW de potência instalada. A portaria não gerou nenhuma contratação porque há uma indefinição no setor de como vai se dar a concorrência entre as fontes. A Aneel precisa regulamentar a portaria de modo que fique claro, ao se estabelecer os valores de referência, que a distribuidora pode contratar a fonte que ela entenda necessária. Quando isso ocorrer, a nossa fonte tem tudo para ter prioridade nessas contratações, porque detém os melhores atributos: é firme, renovável na fração orgânica e tem impacto ambiental positivo por eliminar uma grande externalidade ambiental, ou seja, o lixo.

E as outras duas frentes de ação?
A segunda é a promoção de leilões regulados para geração a partir de resíduos sólidos urbanos, incluindo prinicipalmente a incineração, mas também outras tecnologias como a gaseificação e a pirólise. Estivemos com o secretário de planejamento energético para discutir isso. A terceira proposta é no âmbito da CP 77/2019, sobre o mercado livre de energia. Fizemos contribuição pedindo que a nossa fonte tenha abertura preferencial para projetos de ACL a serem contratados para iluminação pública e em prédios públicos.

Como seria, em termos tecnológicos, o parque instalado de usinas de recuperação energética no país?
Para processar volumes de lixo acima de 800 t/dia, o que seria viável em regiões metropolitanas e grandes cidades do país, sem dúvida a melhor opção é o mass burning, a usina térmica com incineração, que elimina 95% dos resíduos e tem potência instalada a partir de 20 MW. Trata-se aí da solução térmica mais empregada no mundo, de pleno domínio operacional e de controle de emissões, com mais de 2 mi plantas instaladas. Já para municípios menores, a se guiar pelo que acontece na Europa, o ideal seria utilizar sistemas de tratamento mecânico biológico, utilizado para retirar os orgânicos do lixo que, por sua vez, seguem para biodigestor, o qual gera biogás. A sobra essa etapa de separação do orgânico gera o CDR (combustível derivado de resíduos), que pode ir para incinerador ou para alimentar fornos de cimento. A outra opção para as cidades menores seria o uso de gaseificadores de lixo, como as que a WEG passou a ofertar recentemente no Brasil, para potências de 2,5 MW e 5 MW, que se encaixam na geração distribuída.

E em potencial de geração de energia, qual seria o cenário?
Estima-se que se o Brasil destinar 35% dos resíduos sólidos urbanos para usinas de recuperação energética, o que a China faz hoje, seria possível gerar aproximadamente 1.300 GWh/mês, montante suficiente para o consumo de 3,29% da demanda nacional de energia elétrica.

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