
Brasil, Índia e Japão querem quadruplicar a produção de combustíveis de baixo e zero carbono nos próximos 10 anos. Foto de arquivo: bulentcamci via Adobe Stock
Brasil, Índia e Japão concordaram no mês passado com um projeto de declaração pedindo a quadruplicação da produção global de combustíveis de baixo e zero carbono até 2035. A proposta, que será discutida na cúpula de mudanças climáticas COP30 da ONU neste mês em Belém, Brasil, incentivaria os países a aumentar sua produção de biocombustíveis produzidos a partir de produtos agrícolas como cana-de-açúcar e milho, bem como combustíveis alternativos incluindo hidrogênio verde e azul. Quais ações políticas são necessárias para construir economias de escala nos mercados de combustíveis sustentáveis, tanto na América Latina quanto no mundo? Qual é a probabilidade de sucesso da iniciativa do Brasil para produzir mais combustível sustentável na COP30? Até que ponto parece que as nações se comprometerão substantivamente a reduzir as emissões de carbono na cúpula?
Perspectivas de Especialistas
Yuri Schmitke
Presidente da Associação Brasileira de Energia de Resíduos (ABREN)
“A proposta de quadruplicar a produção global de combustíveis de baixo e zero carbono até 2035 é ambiciosa, mas necessária para manter o mundo alinhado com as metas climáticas. Alcançar isso requer políticas públicas que priorizem previsibilidade regulatória, marcos legais modernos e mecanismos de financiamento capazes de liberar investimento privado em larga escala. Na América Latina, isso significa integrar soluções estabelecidas com caminhos tecnológicos emergentes, como energia de resíduos, que é estratégica não apenas para reduzir emissões, mas também para avançar o saneamento básico e fortalecer a segurança energética. No caso do Brasil, o progresso depende particularmente de melhorias regulatórias. O país ainda carece de um mecanismo para permitir a compra de energia gerada por usinas de energia de resíduos, semelhante ao que existe na União Europeia e China. Existem também desafios institucionais e culturais, em parte devido à desinformação sobre como essas instalações operam. Apesar desses obstáculos, o Brasil tem credenciais fortes para liderar esse esforço global na COP30: uma matriz energética altamente renovável, experiência de longa data em biocombustíveis e recursos naturais abundantes. Se o país avançar a modernização regulatória e apresentar compromissos concretos, pode solidificar sua posição como líder global. Em relação ao engajamento internacional, a profundidade dos compromissos dependerá da capacidade de cada nação de conciliar ambição climática com competitividade econômica. Ainda assim, há um reconhecimento global crescente de que reduzir emissões, particularmente metano, é urgente e requer soluções diversificadas. A COP30 será decisiva para transformar intenção em implementação, e não tenho dúvidas de que o Brasil pode servir como exemplo.”
Priscila Bastos Pinheiro
Analista Principal de Análises de Biocombustíveis na S&P Global Commodity Insights
“Os biocombustíveis estão prontos para desempenhar um papel fundamental na transição energética, particularmente em setores de difícil redução como a aviação. Biocombustíveis de primeira geração, incluindo etanol e ésteres metílicos de ácidos graxos (FAME), permanecerão críticos para atingir metas de descarbonização. Para apoiar ainda mais este setor, estratégias como agricultura sustentável, logística e infraestrutura aprimoradas, investimentos em energia renovável e aplicações potenciais de captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS) podem influenciar positivamente a intensidade de carbono dos combustíveis de baixo carbono. O desenvolvimento do mercado de hidrogênio também pode contribuir para esse objetivo. No entanto, o papel dos biocombustíveis não pode ser exagerado. O compromisso recente de Brasil, Índia e Japão de quadruplicar a produção global de combustíveis de baixo e zero carbono, incluindo biocombustíveis, até 2035 marca um passo significativo para atingir metas nacionais e globais de transição energética. Para manter mercados de combustíveis sustentáveis, várias ações políticas são necessárias. Governos devem estabelecer estruturas regulatórias que incentivem investimentos em tecnologias e infraestrutura de biocombustíveis. Isso inclui mandatos de mistura obrigatória, incentivos fiscais, subsídios e concessões para pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis e matérias-primas renováveis. Critérios claros de sustentabilidade para biocombustíveis são essenciais para garantir integridade ambiental e promover confiança do consumidor. O robusto setor agrícola do Brasil e a indústria estabelecida de biocombustíveis, particularmente em etanol, exemplificam esse compromisso. Políticas como a lei ‘Combustíveis do Futuro’, Renovabio e o Programa de Aceleração da Transição Energética têm sido cruciais para avançar a agenda de combustíveis sustentáveis do Brasil e posicioná-lo como um grande interessado na economia global de baixo carbono. O sucesso na COP30 dependerá de obter apoio de outras nações e demonstrar compromissos concretos com a redução de carbono, que precisarão ser mais regulamentados no futuro. Em última análise, alcançar o objetivo de quadruplicar a produção de combustíveis de baixo e zero carbono até 2035 exigirá ação coletiva, transparência e responsabilidade entre as nações para garantir que os compromissos gerem progresso tangível em direção a um futuro energético sustentável.”
Yuri Orse
Líder Estratégico para o Brasil na Jet Zero
“A proposta liderada por Brasil, Índia e Japão de quadruplicar a produção global de combustíveis de baixo e zero carbono até 2035 reflete um caminho pragmático para descarbonizar o transporte e aviação enquanto apoia economias em desenvolvimento com fortes bases agrícolas. Brasil e Índia já demonstram que biocombustíveis sustentáveis podem entregar reduções de carbono em larga escala e baixo custo. O Brasil tem um mercado maduro de etanol (E30 e E100) e biodiesel (B15), fornecendo um volume significativo de sua demanda doméstica de combustível para transporte e se preparando para o lançamento de mandatos de combustível sustentável de aviação em 2027. A Índia também está expandindo a mistura de etanol e construindo um mercado nacional de biocombustíveis ancorado no desenvolvimento rural e segurança energética. Ambos os países podem impulsionar a próxima onda global de descarbonização acoplando rotas avançadas de biocombustível, como etanol-para-jato (ATJ) e caminhos de hidrogênio de menor emissão (energia verde) com gerenciamento responsável de matéria-prima. Sua parceria com o Japão sinaliza um passo vital em direção à cooperação multilateral entre nações produtoras e consumidoras, e um exemplo para a União Europeia, Estados Unidos e Reino Unido. A disponibilidade de matéria-prima permanece o principal gargalo, e nações como Brasil e Índia podem garantir cadeias de suprimento sustentáveis e com preços competitivos, desde que as políticas globais se tornem interoperáveis (ou seja, sistemas de certificação equivalentes, análise de ciclo de vida e ferramentas de rastreabilidade). O sucesso desta iniciativa na COP30 e além depende de acordos bilaterais e multilaterais que vinculem acordos comerciais, regulamentação, tecnologia e finanças. O Leste Asiático parece pronto para liderar, a União Europeia deve avançar seja na COP30 ou nas discussões da Diretiva de Energia Renovável do próximo ano, e outros seguirão uma vez que as barreiras geopolíticas dêem lugar a uma colaboração genuína em uma transição energética justa e baseada em bioenergia.”
Jefferson dos Santos Estevo
Pesquisador do Centro de Excelência em Hidrogênio e Tecnologias de Energia Sustentável (CEHTES) da Universidade Federal de Goiás
“A discussão sobre o aumento da produção de biocombustíveis começou na COP28, com o ‘Consenso dos EAU’ estabelecendo uma meta de triplicar a produção de combustível renovável até 2030. Agora, na COP30, uma nova meta propõe uma quadruplicação até 2035 a partir dos níveis de 2024, alinhada com um relatório recente da AIE enfatizando que o progresso deve ocorrer em múltiplas frentes para aumentar a adoção. A política externa brasileira já posicionou a transição energética como agenda central, durante sua presidência do G20 em 2024 e a cúpula do BRICS em 2025, bem como na criação da Aliança Global de Biocombustíveis em 2023. A transição energética está no centro das discussões da COP30 devido ao seu papel na mitigação, especialmente em setores de alta emissão, mas também devido à liderança do Brasil na agenda. Em termos de políticas, o setor de transporte avançou através de acordos globais recentes como compromissos de aviação e marítimos de zero emissões líquidas para 2050. Espera-se que legislaturas nacionais sigam essas metas internacionais, como visto no programa ‘Combustível do Futuro’ do Brasil, que estabelece metas para aviação. Da mesma forma, as políticas devem progredir para estimular a produção de biocombustíveis, essencial para atingir metas de emissão. Em setores de uso intensivo de energia, particularmente a indústria, o hidrogênio de baixa emissão desempenhará um papel fundamental, apoiado por novas metas e incentivos. A demanda crescente deve impulsionar maior produção e custos mais baixos. Portanto, incluir esses objetivos, mesmo como metas não vinculantes, é crucial para a ideia de combustível sustentável. Além disso, créditos de carbono e comércio de emissões, bem como incentivos financeiros robustos, são críticos para escalar a produção de combustíveis sustentáveis. Para o Brasil, o segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo, este setor é altamente estratégico para sua agenda de exportação, especialmente em relação a novas tecnologias como combustível sustentável de aviação e hidrogênio de baixa emissão. Em relação aos compromissos nacionais, alguns atores-chave, incluindo China, União Europeia e Estados Unidos (sob a administração Biden), apresentaram contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) atualizadas. No entanto, os principais desafios para a COP30 são financiamento e adaptação, que devem estar no centro das negociações.”
FONTE: https://thedialogue.org/advisors/latin-america-advisor-2025-11-17

