Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos destaca que situação ocorre porque as empresas identificaram brechas na metodologia do governo federal, permitindo a prestação de declarações de maneira inadequada
As emissões de metano (CH4) provenientes das operações de aterros sanitários no Brasil são significativamente maiores do que as reportadas à Convenção das Nações Unidas para o Painel de Mudanças Climáticas (UNFCCC), de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), Yuri Schmitke. Essa conclusão é baseada em estudos recentes que analisaram observações de satélites da Nasa abrangendo diversos aterros no mundo, incluindo o Brasil.
De acordo com o executivo, os aterros sanitários capturam de 30% a 50% das emissões de gás. Embora ele considere essa abordagem uma solução de baixo custo para o tratamento de resíduos, Schmitke ressalta que não é sustentável sob a perspectiva das mudanças climáticas e não atende aos compromissos firmados pelo Brasil no Acordo do Clima de Paris, que prevê limitar o aquecimento global em até 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
“A Agência Ambiental Americana (EPA) avaliou 396 aterros sanitários em operação e identificou que a média de captura de gás de aterro é de 48%. Ou seja, 52% do metano gerado em aterros escapou para atmosfera, contribuindo para o aquecimento global”, afirma. “A gente fez uma comparação com que os aterros estão declarando para receberem créditos de carbono por este metano que capturam. Foi constatado que eles estão declarando que capturam até 94%. Estas declarações contrariam o quinto relatório do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] de 2011”, acrescenta.
Ele destaca ainda que isso ocorre porque as empresas identificaram brechas na metodologia, permitindo a prestação de declarações de maneira inadequada, algo que requer correção por parte do governo federal. Na visão do dirigente, a situação pode se agravar, especialmente com a retirada de última hora dos aterros sanitários do Projeto de Lei 412/2022, relacionado ao mercado de carbono. Essa decisão implica que aproximadamente 90% das emissões de metano não serão compensadas, comprometendo praticamente a viabilidade da meta estabelecida pelo Brasil de reduzir em 30% as emissões de metano até 2030.
“Quase metade do metano emitido no Brasil vem do setor de resíduos sólidos. Isso significa que o Brasil estará completamente fora das medidas necessárias para cumprir o acordo de Paris, especificamente no Acordo Global de Metano assinado na COP 26, em 2021”, afirma.
Para Schmitke, a defesa de algumas associações ligadas ao setor de lixo da retirada dos aterros do PL é equivocada e constituiria uma clara violação do Acordo de Paris. Cerca de metade das emissões de metano no Brasil provém do setor de resíduos sólidos, e, de acordo com os inventários de gases de efeito estufa (GEE), os aterros sanitários representam a terceira maior fonte de metano gerado pela atividade humana (antropogênica) em todo o mundo.
Em um período de 20 anos, o metano é 86 vezes mais potente que o dióxido de carbono e o segundo maior fator de mudança climática antropogênica. “Emitir metano não é algo natural. Hoje capturamos só a metade”, alerta.
Atualmente, a gestão da maioria dos aterros no Brasil está nas mãos da iniciativa privada, e a opção predominante tem sido direcionar esses aterros para a produção de biogás e biometano. Na visão de Schmitke, o ideal seria adotar o processo de recuperação energética, que envolve métodos e processos para aproveitar parte da energia presente nos resíduos sólidos. No entanto, ele observa que ainda faltam condições econômicas para que as abordagens mais sustentáveis sejam amplamente adotadas, precificando adequadamente o atributo ambiental.
“Este é um indicativo de como o poder público deve tomar decisões de modo a cumprir as metas. Para isso, temos que atacar os setores que podem reduzir as emissões sob pena de atingir setores que são sensíveis à economia. (…). Precisamos acabar com os lixões no Brasil e os aterros devem ser encarados como uma solução transitória”, diz.