Através de uma abordagem holística, torna-se possível encontrar estratégias eficazes para mitigar os impactos ambientais e, consequentemente, promover a saúde pública.
A gestão de resíduos sólidos e as emissões de gases de efeito estufa (GEE) são dois temas que representam desafios significativos para a sustentabilidade ambiental e a saúde pública a nível nacional e global. Para avaliar as soluções para ambos os temas, é preciso fazer uma análise integrada sobre os possíveis caminhos a serem seguidos. Através de uma abordagem holística, torna-se possível encontrar estratégias eficazes para mitigar os impactos ambientais e, consequentemente, promover a saúde pública.
Emissões de gases de efeito estufa em aterros sanitários
Um estudo realizado pela Universidade de Columbia, em 2021, em colaboração com o Programa de Alcance do Metano de Aterros da Agência Ambiental dos Estados Unidos (EPA), revelou subestimações significativas nas estimativas anteriores da EPA sobre as emissões de metano de aterros sanitários nos EUA. A análise das medições in loco indicou que a taxa média de geração de metano era de 0,05 tonelada por tonelada de resíduos sólidos municipais depositados, com apenas 48% desse metano sendo efetivamente capturado por sistemas de captação de biogás (Themelis e Bourtsalas, 2021).
Estudos mais recentes, realizados com foco nas emissões de metano dos aterros sanitários nos Estados Unidos, revelaram um cenário alarmante, destacando a urgência em adotar medidas para combater o aquecimento global. A análise de sobrevoos de aeronaves e imagens de satélites equipados com tecnologia avançada de espectrometria de imagem mostrou que os aterros sanitários emitem quase três vezes mais metano do que as estimativas oficiais reportadas à Agência de Proteção Ambiental dos EUA. Este gás, notoriamente conhecido por seu potente efeito de aquecimento, contribui significativamente para as mudanças climáticas, sendo 86 vezes mais forte do que o dióxido de carbono em um período de 20 anos.
Outro estudo, publicado pela revista “Science”, conduzido pela parceria público-privada Carbon Mapper com a colaboração de pesquisadores de renomadas instituições, como o Laboratório de Propulsão a Jato da NASA e universidades americanas, indicou que mais da metade dos aterros observados eram “superemissores” de metano, ou seja, liberavam mais de 100 quilogramas desse gás por hora. Essas emissões muitas vezes persistem por meses ou até anos, sugerindo falhas nos sistemas de coleta de metano dos aterros, que são projetados para capturar e queimar o gás emitido pelo lixo em decomposição.
A mesma publicação relata que foram avaliados mais de 400 aterros nos Estados Unidos entre 2016 e 2022, e que foram encontradas diferenças significativas entre as emissões de metano (CH4) relatadas em inventários tradicionais e aquelas realmente observadas por meio de medições feitas por câmeras de espectrometria instaladas em satélites, aeronaves e drones. As emissões reais de metano são de 40% a 170% mais altas do que é relatado nos inventários de metano em aterros nos EUA. As taxas de emissão de metano foram aproximadamente 2,7 vezes mais altas do que as relatadas nos inventários.
O estudo aponta para uma grave subestimação das emissões de metano por parte dos aterros sanitários, destacando-os como uma fonte crítica de emissões de gases de efeito estufa que até agora foi subestimada nas estratégias de mitigação das mudanças climáticas. Identificar e corrigir os vazamentos de metano nos aterros sanitários é destacado como uma medida imediata e eficaz para reduzir as emissões. Além disso, estratégias como a compostagem de resíduos orgânicos, reduzindo assim a quantidade de lixo que é depositado em aterros, são sugeridas como soluções de longo prazo para mitigar as emissões de metano.
A crescente disponibilidade de tecnologias de detecção de metano, incluindo satélites dedicados ao rastreamento de emissões globais, oferece novas oportunidades para monitorar e reduzir as emissões de metano de aterros sanitários em uma escala sem precedentes. O estudo ressalta a importância de incluir o setor de resíduos nas ambições globais de redução de metano, enfatizando que a luta contra as emissões de petróleo e gás, sozinha, não será suficiente para alcançar as metas climáticas globais.
Recuperação energética de resíduos é aliada da saúde pública Um estudo conduzido por Zhuoshi Huang et al. (2024) na região do Círculo Bohai, na China, avaliou os riscos à saúde associados à operação de 96 plantas de recuperação energética de resíduos sólidos municipais. Os resultados indicaram que os Índices de Perigo (HI) e os riscos carcinogênicos (CR) estão dentro dos limites aceitáveis, não havendo qualquer risco à saúde humana.
Nas últimas décadas, o setor europeu de recuperação energética de resíduos – ou em inglês Waste-to-Energy (WtE) – dedicado à transformação de resíduos em energia através de processos térmicos, tem investido esforços consideráveis na mitigação de seus impactos ambientais. Este empenho, apoiado por dados compilados pela Confederação Europeia de Waste-to-Energy Plants (CEWEP), focou na redução das emissões de poluentes, com especial atenção às dioxinas e furanos, conhecidos por seus potenciais danos à saúde e ao meio ambiente.
Um estudo abrangente conduzido pela CEWEP revelou avanços significativos nesta frente, evidenciando a eficácia das medidas adotadas pelo setor em toda a Europa. Graças às rigorosas legislações, as emissões de dioxinas em WtE correspondem apenas a menos de 0,2% do total das emissões industriais de dioxinas. A análise baseou-se em informações detalhadas fornecidas pelos membros da confederação, oferecendo uma visão profunda sobre os resultados alcançados na diminuição destes compostos nocivos, tanto nas instalações de WtE quanto em suas proximidades.
Os resultados do estudo indicam que, contrariamente às preocupações anteriores, não existe uma correlação direta entre a presença de dioxinas e furanos nos arredores de uma planta de WtE e as emissões produzidas por ela. Este resultado ressalta a eficiência das tecnologias de controle e das rigorosas regulamentações ambientais em vigor, que limitaram as emissões de dioxinas a uma fração mínima das emissões industriais totais de dioxinas na Europa.
Além disso, enfatiza-se a importância do monitoramento contínuo dessas emissões, que demonstrou consistência entre os resultados de medições periódicas e contínuas, apontando para emissões extremamente baixas de dioxinas e furanos por instalações de WtE bem administradas, que se encontram 70% abaixo dos limites de detecção dos equipamentos de medição. Este panorama oferece uma perspectiva otimista sobre o papel do setor de WtE na gestão de resíduos e na produção de energia, alinhando-se com os objetivos de sustentabilidade ambiental.
Estratégias de Mitigação A integração das descobertas destes estudos sublinha a urgência em adotar estratégias multifacetadas para abordar os desafios da gestão de resíduos, emissões de gases de efeito estufa e riscos à saúde. A implementação de sistemas avançados de captação de biogás em aterros, o aprimoramento das tecnologias de recuperação energética para minimizar emissões de gases de efeito estufa, a implementação de políticas eficazes de segregação de resíduos na origem e o uso inovador de dados de observação da Terra para monitoramento das emissões de metano em aterros sanitários são medidas essenciais.
Para alcançar resultados significativos, é crucial a colaboração entre governos, setor privado, comunidade acadêmica científica e sociedade. A adoção de práticas de gestão de resíduos mais sustentáveis e tecnologias de mitigação de emissões não só contribuirá para a redução dos impactos ambientais adversos, mas também promoverá a saúde pública e o bem-estar a longo prazo.
Prof. Dr. Fabio Rubens Soares é Engenheiro Químico pela Oswaldo Cruz, Doutor em Energia pela UFABC e Pós-Doutor em Bioenergia pela USP.
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