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Equipe ABREN

A ABREN integra o Global Waste to Energy Research and Technology Council (GWC) e é associada da Associação Internacional de Resíduos Sólidos ou International Solid Waste Association (ISWA)

Governo federal é inerte no cumprimento de metas de recuperação energética de resíduos (JOTA)

Instrumentos econômicos são essenciais para garantir viabilidade de soluções sustentáveis no gerenciamento dos resíduos

* Por Yuri Schmitke

O Ministério do Meio Ambiente e o governo federal têm falhado em priorizar a recuperação energética de resíduos sólidos urbanos (RSU) em suas políticas recentes, uma omissão que contraria as diretrizes estabelecidas pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), aprovado pelo Decreto 11.043, de 2022.

O pacto nacional proposto pelo MMA, que visa encerrar os lixões e aterros irregulares de forma “humanizada”, prevê a organização de cooperativas para mais de 400 mil catadores e a alocação de R$ 7 bilhões, com a expectativa de captar R$ 4,1 bilhões de recursos privados, além de R$ 1,4 bilhão do Fundo de Equalização Federal, criado com recursos do novo programa de renegociação das dívidas dos estados com a União.

Esse pacto, que conta com o apoio do Palácio do Planalto, também envolverá o Ministério Público e os Tribunais de Contas nas esferas federal, estadual e municipal. Esses órgãos precisarão aprovar as negociações para garantir que os gestores municipais que aderirem ao programa não sejam autuados por descumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

No entanto, essa iniciativa negligencia a recuperação energética, uma solução comprovadamente eficaz e sustentável para o tratamento de resíduos não recicláveis, particularmente em regiões metropolitanas densamente povoadas.

Em 1990, a União Europeia tinha quantidades semelhantes de lixões como o Brasil tem atualmente. Mesmo com uma Política Nacional de Resíduos Sólidos que prevê que apenas rejeitos seja destinado para aterros, o Brasil tem insistido somente em aterros sanitários para a destinação final, e o resultado é que muitos aterros financiados pelo BID e com recursos públicos acabaram se tornando aterros controlados ou lixões a céu aberto. Situação semelhante poderá ocorrer com a recente política adotada.

A UE desenvolveu um conjunto abrangente de diretrizes para o encerramento gradual dos lixões e a redução significativa da dependência de aterros sanitários, com o objetivo de proteger o meio ambiente e a saúde humana. Essas diretrizes estão baseadas na hierarquia de resíduos da UE, que prioriza a prevenção, seguida pela preparação para reutilização, reciclagem, outras formas de recuperação, incluindo a recuperação energética, e, finalmente, a disposição em aterros como última opção. A nossa legislação prevê o mesmo sistema, mas carece de instrumentos econômicos e de decisões políticas acertadas para a sua efetivação.

A Diretiva de Aterros (1999/31/EC), emendada pela Diretiva EU 2018/850, estabelece regulamentações rigorosas para a operação de aterros na UE e define metas claras para a redução do descarte de resíduos. Até 2035, os Estados-membros devem garantir que no máximo 10% dos resíduos municipais sejam enviados para aterros sanitários, promovendo a reciclagem e a recuperação energética. Além disso, a UE pretende reduzir essa porcentagem para 1% até 2050 ou estabelecer metas específicas por habitante, como parte da transição para uma economia circular.

A recuperação energética tem um papel crucial nas estratégias da UE para reduzir a dependência de aterros. Essa forma de recuperação, especialmente através da combustão com recuperação de energia, é mais utilizada em relação à simples disposição em aterros.

Segundo dados do Ecoprog (2023) e ICCWTE (2023), existem mais de 3 mil usinas de combustão de resíduos sólidos em operação comercial atualmente, sendo 2.132 na China, 1.026 no Japão, 256 na Coreia do Sul, 130 na França, 98 na Alemanha, e até usinas na Etiópia, Irã e Sri Lanka, o que comprova a sua viabilidade mesmo em países com PIB e renda per capita bem inferior ao Brasil.

De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), o tratamento e a recuperação energética devem ser prioritários, com aterros sanitários reservados apenas para rejeitos. No Brasil, essa tecnologia ainda está em estágio inicial, com apenas uma usina em construção, a Usina de Recuperação Energética de Resíduos (URE) Barueri, em São Paulo, com capacidade de 20 MW.

Estudos apontam que os custos evitados no meio ambiente e na saúde pública, durante os 40 anos de operação da usina, totalizam R$ 220 bilhões, valor superior ao investimento necessário para a implantação dessas usinas (CAPEX).

Levando em conta que os resíduos produzidos nessas regiões densamente povoadas correspondem a 47% de todo o volume de resíduos gerados no Brasil (RSU), verifica-se que, para recuperar a energia desses resíduos, serão necessários investimentos de R$ 181,5 bilhões, com usinas totalizando 3,3 GW de potência instalada e a geração de 200 mil novos empregos. Além disso, espera-se uma arrecadação tributária de R$ 200 bilhões ao longo dos 40 anos de operação das usinas, com a a mitigação de 86 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano.

Para viabilizar o financiamento das usinas de recuperação energética de resíduos, é essencial garantir a receita relativa ao tratamento do resíduo – na forma de tarifa paga pelo gerador de resíduos – e a venda da energia elétrica produzida por meio de contratos de longo prazo para assegurar a amortização dos investimentos. Assim, é necessária a realização de licitação municipal para garantir a tarifa e o fornecimento de resíduos a longo prazo, além da venda antecipada da energia elétrica gerada, em uma única licitação.

Nesse contexto, a Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (ABREN) propõe a criação de um mecanismo administrado pela União para a compra direta da energia elétrica gerada pelas usinas de recuperação de energia de resíduos, garantindo a viabilidade econômica e a segurança jurídica necessária para o processo. Isso permitirá o cumprimento das metas estabelecidas no Planares, que prevê a implementação de 994 MW de potência instalada em usinas de cogeração por combustão até 2040, 257 MW de biogás capturado em aterro e 69 MW de biodigestão anaeróbia de RSU.

O Programa Mensal da Operação (PMO) do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) indica que termoelétricas são acionadas com custos que chegam a R$ 3.000/MWh todos os meses. A geração de energia por meio da recuperação energética configura-se como uma termoelétrica inflexível, com disponibilidade de até 97%, operando de 8.000 a 8.500 horas/ano, representando uma fonte renovável capaz de substituir termoelétricas a combustíveis fósseis, reduzindo assim os custos de geração de energia elétrica no Brasil.

Com uma tarifa de R$ 750/MWh, equivalente à tarifa atualizada no Valor de Referência (VRES) definido na Portaria MME 65/2018 para resíduos sólidos urbanos, e considerando o preço-teto de uma usina a biomassa convencional de R$ 400/MWh (preço-teto atual para leilão de capacidade), haveria um impacto tarifário adicional de R$ 350/MWh, resultando em um acréscimo tarifário de R$ 185 milhões por ano. Considerando o faturamento anual das distribuidoras de R$ 300 bilhões por ano, segundo dados da Abradee de 2023, isso representa um aumento anual de apenas 0,06% na tarifa do consumidor.

No modelo proposto, caberá à União regulamentar e alocar os custos da recuperação na CDE ou na Energia de Reserva, além de avaliar periodicamente o preço da tarifa suficiente para viabilizar os projetos, em cooperação com estados e municípios, para implementar as usinas de recuperação energética.

O Ministério do Meio Ambiente identificou 1.751 municípios que ainda mantêm lixões ou aterros controlados fora de conformidade ambiental. Em 397 desses municípios, o mapeamento indicou que não há necessidade de construir novos aterros sanitários, pois eles poderiam utilizar estruturas já existentes em um raio de até 100 quilômetros. Isso significa que haverá um aumento expressivo de resíduos em aterros sanitários e o seu rápido esgotamento.

Para que o Brasil possa alcançar as metas estabelecidas pelo Planares e pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, é essencial que o governo federal crie os instrumentos econômicos para viabilizar a recuperação energética como uma prioridade. Isso exige um mecanismo regulamentado pela União para a compra direta da energia gerada por essas usinas, garantindo a viabilidade econômica e a segurança jurídica necessárias para atrair investidores.

Yuri Schmitke

Presidente-executivo da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (ABREN), vice-presidente Latam do WtERT, mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UniCEUB. Sócio da Girardi e Schmitke Advogados.

Crédito da imagem: Unsplash.

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