Parte das 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos que o país produz todos os anos poderia ser mais bem aproveitada para gerar eletricidade, mas faltam incentivos que impulsionaram fontes eólica e solar, dizem entidades
O Brasil produz 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU) por ano, segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). Deste total, 41% são depositados irregularmente, sem nenhuma utilidade, e os outros 59% são encaminhados à reciclagem, transformados em composto para adubo ou simplesmente dispostos em aterros sanitários.
Há 147 plantas de biogás para produção de biometano e energia elétrica em operação no país, de acordo com a Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (Abiogás). Dessas, pouco mais de 50% geram eletricidade. A entidade calcula que 300 megawatts (MW) são gerados de eletricidade nos aterros sanitários no país, mas há potencial para ampliar a produção em pelo menos 30%.
O crescimento esbarra na falta de incentivos que impulsionaram as fontes eólica e solar. “Ninguém vai fazer investimento sem saber se vai conseguir vender a energia”, afirma Renata Isfer, presidente da Abiogás, em referência à necessidade de políticas de estímulo. Segundo ela, o biogás é uma fonte diferenciada por fornecer energia de forma constante, inclusive nos horários de pico, ao contrário de fontes energéticas intermitentes, como a eólica e a solar.
Outra solução tecnológica para geração de energia de resíduos é a chamada unidade de recuperação energética (URE), que aproveita resíduos não recicláveis para gerar eletricidade a partir da queima em caldeiras. Enquanto o biogás é usado na forma de gás natural veicular (GNV) ou na indústria, as UREs têm como vantagem evitar que parte dos resíduos, sem possibilidade de reciclagem ou reaproveitamento, deva ser depositado em um aterro sanitário. As primeiras UREs foram implementadas na Europa e se popularizaram nas últimas décadas. Hoje há mais de 500 delas. Na China, são mil.
O Plano Nacional de Resíduos Sólidos prevê que, até 2040, 15% dos RSU sejam destinados a UREs, o que representaria 994 MW de potência instalada de geração de energia, suficiente para abastecer 27 milhões de domicílios com eletricidade.
95% DE APROVEITAMENTO
De acordo com a Abrema, os resíduos sólidos das 28 regiões metropolitanas do Brasil têm capacidade de gerar 3,3 gigawatts (GW) de energia, com investimentos somados de R$ 181 bilhões em UREs.
“Falta incentivo do governo federal com leilões de compra de energia que paguem um preço justo pela fonte, como já acontece com a energia solar e a eólica”, diz Yuri Schmitke, presidente da Abren, que representa o setor de energia a partir de resíduos.
Assim como a Abiogás, a Abren defende que os benefícios concedidos a outras fontes de energia renovável sejam estendidos ao biogás e à energia a partir da incineração de resíduos sólidos urbanos.
URE BARUERI
A URE Barueri, de 20 MW de capacidade, é o único empreendimento em construção no âmbito da energia contratada da fonte energética. No município de São Paulo, contratos de concessão da coleta de lixo preveem duas UREs, cada uma com 30 MW de capacidade. Ambas ainda estão em fase de licenciamento.
O projeto da URE Barueri, primeiro do gênero no Brasil e na América Latina, teve início em dezembro de 2021, quando um leilão de energia elétrica contratou pela primeira vez a fonte de resíduos sólidos. O investimento é R$ 550 milhões. A usina hoje está em início de montagem eletromecânica e o começo da operação comercial deverá ocorrer até janeiro de 2027.
Jorge Rogério Elias, diretor de engenharia do Grupo Orizon, explica que a planta deve receber diariamente 870 toneladas de lixo dos municípios de Barueri, Carapicuíba e Santana de Parnaíba, na Região Metropolitana de São Paulo. Só em Barueri, segundo dados da prefeitura, são geradas diariamente cerca de 300 toneladas de resíduos.
POTENCIAL EM 28 LOCAIS
Esse tipo de projeto é adequado para locais densamente povoados onde há muitas restrições de disposição de resíduos. A Abren calcula que os resíduos sólidos das 28 regiões metropolitanas do Brasil com mais de 1 milhão de habitantes são capazes de gerar 3,3 gigawatts (GW) de energia, com investimentos somados de R$ 181 bilhões em UREs.
— Falta incentivo do governo federal com leilões de compra de energia que paguem um preço justo pela fonte — diz Yuri Schmitke, presidente da Abren, o que explicaria a lenta expansão da tecnologia no país.
Assim como a Abiogás, a Abren também reforça a energia gerada de resíduos urbanos como fonte segura de fornecimento de energia.
— Atualmente, o sistema elétrico está em crise por conta da elevada intermitência das fontes renováveis como eólica e solar — diz Schmitke.
Erik Rego, vice-coordenador do Centro de Inovação para Transição Energética da Poli, da USP, vê um índice de aproveitamento energético de resíduos ainda abaixo, mas acha essencial apostar nessa fonte de energia.
— Resíduo sólido urbano não pode ter só custo de gerenciá-lo, mas dá para ganhar com a exploração energética — afirma o especialista. — Além disso, é importante dar um destino ao lixo, que já está perto do limite de alocação em muitos lugares.