Biogás é solução para a crise energética do Brasil (CanalEnergia)

Ao contrário das fontes intermitentes, o biogás oferece geração firme e programável, reforçando a segurança energética nacional.

YURI SCHMITKE, PRESIDENTE EXECUTIVO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENERGIA DE RESÍDUOS (ABREN)

Apesar da imagem de liderança no setor de energias renováveis, o Brasil enfrenta uma crise energética estrutural provocada pela dependência crescente de fontes intermitentes, como a solar e a eólica, sem a devida adaptação da infraestrutura do sistema elétrico nacional. A elevada penetração dessas fontes na matriz elétrica tem gerado o fenômeno de curtailment, ou seja, corte compulsório da carga que gera desperdício de energia gerada que não pode ser aproveitada pela rede elétrica.

Em 2024, mais de 14,6 TWh de energia foram cortados de usinas eólicas e solares, com prejuízos superiores a R$ 1,6 bilhão aos investidores e operadores dessas fontes. Estados como o Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia, com alta geração eólica, concentraram 75% dessas perdas. Esses eventos comprometem a atratividade do setor, afugentam investimentos e comprometem a confiabilidade do sistema elétrico nacional.

O desafio está na intermitência: enquanto o pico de geração solar ocorre ao meio-dia, a demanda da população atinge seu auge à noite, momento em que a fonte solar deixa de produzir. O resultado é um cenário de abundância energética desperdiçada durante o dia e escassez durante a noite — um desequilíbrio que exige soluções estruturais.

Diante desse panorama, o biogás se apresenta como uma das soluções para compor uma matriz elétrica mais equilibrada, estável e sustentável. Produzido a partir da digestão anaeróbica de resíduos orgânicos, o biogás pode ser estocado em gasômetros por até 24 horas e despachado sob demanda.

Esse modelo permite, por exemplo, o armazenamento da energia durante os picos de geração solar e sua liberação nos momentos de maior consumo — sobretudo no fim da tarde e à noite. O biogás, nesse sentido, funciona como uma “bateria verde”, mas de baixo custo, capaz de fornecer capacidade, flexibilidade e estabilidade ao sistema elétrico.

Ao contrário das fontes intermitentes, o biogás oferece geração firme e programável, reforçando a segurança energética nacional. Isso o torna essencial para mitigar o curtailment, garantir a confiabilidade do fornecimento e otimizar o uso das renováveis já instaladas.

Além dos benefícios energéticos, o biogás é uma das ferramentas mais eficazes para mitigar as emissões de metano, gás com poder de aquecimento global 86 vezes superior ao CO₂ em um horizonte de 20 anos.

Na COP26, o Brasil aderiu ao Compromisso Global do Metano (Global Methane Pledge), assumindo a meta de reduzir em 30% suas emissões até 2030. Essa diretriz foi reafirmada na COP29, com o fortalecimento das políticas para o setor de resíduos e agropecuária, principais emissores de metano no país.
O biogás surge como solução direta para esse desafio. Ao capturar o metano que seria liberado na atmosfera por dejetos animais ou resíduos orgânicos, e convertê-lo em energia, o país reduz as emissões e fortalece sua matriz energética simultaneamente.

Organismos internacionais, como a Climate and Clean Air Coalition (CCAC), do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), também têm reforçado o papel do biogás nas estratégias de mitigação de gases de efeito estufa, estimulando sua adoção como política pública prioritária.

O Brasil possui um dos maiores potenciais mundiais para produção de biogás, mas ainda subutiliza essa fonte. Segundo o relatório da ABREN/EUCD, 92% desse potencial virá a partir dos resíduos do setor agropecuário — especialmente da suinocultura, avicultura, bovinocultura, laticínios, biomassa e vinhaça (resíduo da produção de etanol). No entanto, a maior parte das usinas utiliza gás de aterro sanitário atualmente (cerca de 75%), cuja captação é menos eficiente e menos sustentável.

A expansão da biodigestão na agropecuária demanda políticas públicas robustas. O investimento inicial é mais alto do que a captação em aterros, exigindo subsídios, financiamentos específicos e incentivos fiscais. Modelos como tarifas feed-in, linhas de crédito específicas e regulamentações simplificadas podem acelerar o desenvolvimento do setor.

Programas como o RenovaBio, a Taxonomia Sustentável Brasileira, a Lei do Combustível do Futuro e o PATEN representam passos importantes. No entanto, é necessário estabelecer critérios que valorizem a origem do biogás, de acordo com o tipo de resíduo e o tamanho da planta, priorizando o uso de resíduos agropecuários como fonte primária, com maior sustentabilidade e impacto climático positivo.

O Brasil está diante de uma encruzilhada energética. A crise silenciosa da intermitência das renováveis exige soluções que combinem estabilidade, sustentabilidade e viabilidade econômica. O biogás se apresenta como a resposta ideal: é nacional, abundante, armazenável, firme e climático.

Ao investir na biodigestão de resíduos agropecuários, o Brasil não apenas fortalece sua matriz elétrica e reduz desperdícios, como também honra seus compromissos climáticos, impulsiona a bioeconomia e promove o desenvolvimento rural. Transformar esse potencial em realidade depende de vontade política, estrutura regulatória, incentivos financeiros e planejamento integrado.

O biogás não é apenas uma alternativa. É a solução para uma matriz elétrica mais segura, verde e inteligente.

Yuri Schmitke é Presidente Executivo da Associação Brasileira de Energia de Resíduos (ABREN), Vice-Presidente LatAm do Waste to Energy Research and Technology Council (WtERT), Sócio da Girardi & Schmitke Advogados e Professor Convidado da FGV São Paulo no MBA em Administração: Recuperação Energética e Tratamento de Resíduos.

Fonte: https://www.canalenergia.com.br/artigos/53309895/biogas-e-solucao-para-a-crise-energetica-do-brasil

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A ABREN integra o Global Waste to Energy Research and Technology Council (GWC) e é associada da Associação Internacional de Resíduos Sólidos ou International Solid Waste Association (ISWA)

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