País desperdiça potencial do lixo, dizem associações (Valor)

300 MW de eletricidade são gerados em aterros sanitários

Augusto Diniz
Para o Valor, de São Paulo

O Brasil poderia ampliar a geração de eletricidade a partir do gás produzido do lixo doméstico, mas a falta de incentivos limita a expansão dessa fonte de energia. A opinião é de Renata Isfer, presidente da Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (Abiogás), para quem os benefícios concedidos atualmente às fontes eólica e solar tornam a energia renovável produzida por essas matrizes mais competitiva.

“Grandes atores estão abandonando a geração de eletricidade porque não valorizamos os seus atributos”, afirma a executiva. “Ninguém vai fazer investimento sem saber se vai conseguir vender a energia”, acrescenta.

A executiva defende que o biogás tem o diferencial de fornecer energia elétrica de forma constante e segura, inclusive nos horários de pico, ao contrário de fontes intermitentes, caso da eólica que depende do vento quando há nobres ventos, e a solar, que para de produzir quando anoitece.

Hoje, segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), 300 MW de eletricidade são gerados nos aterros sanitários no país. Mas seria possível ampliar essa produção em pelo menos 30%. Há 147 plantas de biogás para produção de biometano e energia elétrica em operação, de acordo com a Abiogás. Desde total, pouco mais de 50% geram energia elétrica.

A ABREN calcula que o Brasil produz 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU) por ano, dos quais 41% são depositados irregularmente em lixões sem nenhuma utilidade. O restante é encaminhado à reciclagem, transformado em composto, aterrado ou disposto em aterros sanitários.

As usinas térmicas que se projetam para geração de eletricidade do biometano, a partir da decomposição anaeróbica de resíduos orgânicos coletados, também é possível produzir eletricidade a partir da queima, em caldeiras, dos resíduos não recicláveis (orgânicos e inorgânicos). É a chamada unidade de recuperação energética (URE), popularizada na Europa que substitui metade do seu consumo. Atualmente, há média de apenas três dessas unidades em funcionamento no país.

O Plano Nacional de Resíduos Sólidos prevê que, até 2040, 15% dos resíduos urbanos sejam destinados a UREs, o que representaria 994 MW de potência instalada de geração de energia, suficiente para abastecer 27 milhões de domicílios de eletricidade.

Até agora, só há uma unidade em construção com concessão já contratada, em Barueri, na Região Metropolitana de São Paulo, com capacidade prevista para geração de 20 MW de eletricidade.

O projeto, o primeiro desse tipo no Brasil, teve início em dezembro de 2021, quando um leilão de energia elétrica contratou pela primeira vez a fonte de resíduos sólidos. O investimento é de R$ 550 milhões, sendo 80% da Orizon, empresa encarregada da operação, e 20% da Sabesp. A planta deve começar a operar até 2027, com resíduos coletados de municípios como Barueri, Carapicuíba e Santana de Parnaíba, também na Grande São Paulo. Serão cerca de 870 toneladas por dia. Só Barueri, segundo a prefeitura, gera diariamente cerca de 300 toneladas de resíduos.

O contrato de concessão da coleta de lixo da capital paulista prevê a construção de duas UREs, com 30 MW cada e início da operação em 2028, mas as duas unidades estão ainda em fase de licenciamento ambiental. “Falta incentivo do governo federal com leilões de compra de energia que paguem um preço justo pela fonte”, diz Yuri Schmitke, presidente da Associação Brasileira de Energia de Resíduos (Abren), sobre a lenta expansão da tecnologia no país.

Segundo especialistas, esse é o caminho para aproveitar a eletricidade produzida pela decomposição anaeróbica dos resíduos sólidos. A Abrema calcula que os resíduos sólidos das 28 regiões metropolitanas do Brasil com mais de 1 milhão de habitantes são capazes de gerar 3,3 GW em energia, com investimentos somados de R$ 181 bilhões em UREs. Assim como a Abiogás, a associação também reforça a energia gerada do RSU como fonte segura e com grande potencial de crescimento.

Enir Rigo, vice-coordenador do Centro de Inovação para Transição Energética da Poli-USP, vê o biogás e a energia gerada a partir da queima do RSU, mas destaca a necessidade de apostar na fonte de energia. É possível, segundo ele, haver ganhos ambientais e sociais com essas fontes. “Além disso, é importante que a energia do lixo seja tratada como um item importante de alocação em muitos lugares”, afirma.


Regulação impulsiona projetos em biometano

Carlos Dias
Para o Valor, do Rio

O mercado brasileiro de biometano vive um momento de otimismo. A publicação do decreto que regulamenta a Lei do Combustível do Futuro anima o setor e deve estimular investimentos. Um dos maiores players de biometano da América Latina, a Gás Verde planeja aumentar a produção de 160 mil m³/dia para 650 mil m³/dia até 2028, com novos projetos em desenvolvimento.

“Vamos além de ampliar a oferta de biometano, queremos expandir também a eficiência para o transporte rodoviário”, diz Marcelo Jorand, CEO da empresa.

A nova regulamentação prevê a adição do produto à oferta de gás natural em todo o país, com a proporção começando em 1% e podendo chegar a 10%. “Além do biometano, vamos começar a produzir o bio-CO₂, verde, o CO₂ verde, oriundo da corrente de biometano”, conta Jorand.

Hoje, a Gás Verde fornece biometano para clientes como Ambev, Saint-Gobain e Nestlé. Também abastece frotas de ônibus do Grupo JorLeal, que retornou recentemente ao transporte urbano no Rio de Janeiro.

Renata Isfer, presidente-executiva da Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (Abiogás), lembra que a primeira planta de biogás para produção de biometano do Brasil foi inaugurada em 2014 e que, em uma década, a produção saltou de 70 mil m³/dia de biometano para mais de 600 mil m³/dia. “Podemos crescer até oito vezes em apenas cinco anos”, diz.

Segundo ela, a maior parte do crescimento virá do aproveitamento de resíduos da produção sucroalcooleira, que têm função maior potencial de aproveitamento energético, quanto da produção maior de consumidores industriais e também maior potencial de produção de biometano.

Entre as unidades em desenvolvimento estão uma em São Paulo, onde está a maior demanda industrial e busca por descarbonização. “E onde também tem grande demanda de biometano para o transporte e distribuição”, acrescenta Isfer.

A executiva acrescenta que o próprio setor sucroalcooleiro começa a buscar alternativas de diversificação da produção, aproveitando melhor seus resíduos e com maior consciência ambiental.

Mas para que as expectativas se concretizem, afirma, será preciso vencer desafios. “Muitos produtores brasileiros ainda continuam focados no biodiesel e não abastecem com biometano”, diz ela. “E muitos postos ainda não oferecem infraestrutura suficiente para receber clientes rodando com esse combustível”.

Para suprir a carência de infraestrutura, a transportadora IBB, que desenvolve projeto de hub de biometano em Paulínia, no interior paulista, busca atrair investidores. Segundo Jorge Hijjar, diretor-presidente da IBB, a empresa já está em conversas com investidores para expansão do hub com duas unidades. Isso pode representar até 2,8% do volume total de gás do país.

Hijjar explica que a ideia é de fornecer biometano a partir desse hub para o setor de transporte rodoviário e fazer a oferta de gás de modo contínuo. “É possível alcançar a meta de 10% até 2026”, diz ele. A expectativa é que, com novos projetos, o biometano possa representar até 15% da matriz do gás natural no Brasil.

Segundo ele, a crise energética da Europa mostrou que o biometano é uma alternativa competitiva, segura e de rápido crescimento. “Não podemos perder esse bonde e deixar de fornecer energia limpa para clientes no país”, afirma o executivo.

Fonte: https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/energia-tecnologia/noticia/2025/09/30/pais-desperdica-potencial-do-lixo-dizem-associacoes.ghtml

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A ABREN integra o Global Waste to Energy Research and Technology Council (GWC) e é associada da Associação Internacional de Resíduos Sólidos ou International Solid Waste Association (ISWA)

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