
Aterro sanitário do Consórcio Intermunicipal do Médio Vale do Rio Itajaí (Cimvi), ao lado do qual está sendo instalado um complexo de reciclagem, biodigestão e compostagem para aproveitar todos os resíduos sólidos de 19 municípios do estado de Santa Catarina, no sul do Brasil. Imagem: Mario Osava / IPS
TIMBÓ / FLORIANÓPOLIS, Brasil – Santa Catarina é o primeiro e único estado do Brasil livre de lixões a céu aberto. Desde 2014, Santa Catarina já está livre de lixões e, agora, 14 municípios buscam se livrar dos aterros sanitários e reaproveitar praticamente todos os resíduos sólidos urbanos.
O Consórcio Intermunicipal do Médio Vale do Itajaí (Cimvi) espera processar mais de 90% de seus resíduos por meio de reciclagem, biodigestão e compostagem, superando os países nórdicos da Europa, que, com 65%, representam o modelo a ser seguido, enfatizou seu diretor executivo, Fernando Tomaselli.
“É uma utopia”, acredita Yuri Schmitke, presidente executivo da Associação Brasileira de Energia a Partir de Resíduos (Abren).
“A meta irrealista compromete o projeto.” Vários países europeus, Japão e Coreia do Sul já eliminaram aterros sanitários — áreas para disposição final de resíduos sólidos — mas estão recorrendo à incineração para gerar energia a partir de resíduos não recicláveis, observou ele.
“Temos 36 aterros sanitários no estado, dos quais apenas três são públicos; os demais são privados, e há pouco interesse em mudar o sistema porque quem controla o aterro também controla o serviço de coleta de lixo”: Fernando Tomaselli.
O CIMVI descarta essa alternativa; seu objetivo é expandir a reciclagem e a economia circular de resíduos a proporções sem precedentes. “Nossa obsessão é usar tudo, provar que lixo não existe”, afirmou Tomaselli.
Mas a reciclagem tem limites. Na Europa, após muitas tentativas e avanços, ela representa, em média, 25% do lixo e, no caso excepcional da Alemanha, 32%. Além disso, 19% dos resíduos ainda acabam em aterros sanitários, segundo dados da Abren, que realizou seu sexto congresso anual em Florianópolis, capital de Santa Catarina, nos dias 5 e 6 de junho.
O CIMVI foi fundado em 1998, com apenas cinco municípios participantes, para gerir conjuntamente diversas questões, mas ainda não o lixo. Atingiu sua composição atual de 14 municípios em 2017, após assumir a gestão de aterros sanitários em 2016, que antes era de responsabilidade das autoridades de água e esgoto.
Sua sede ficava em Timbó, cidade com 46.099 habitantes, segundo o censo nacional de 2022. No total, os 14 municípios contavam com 283.594 habitantes naquele ano, sendo o mais populoso Indaial, com 71.549 pessoas.

Aterro e reciclagem
O aterro recebe lixo de outras cinco cidades “parceiras”, além das 14 do consórcio, totalizando entre 5.000 e 7.000 toneladas por mês. Campanhas de educação ambiental em escolas, empresas e ruas expandiram gradativamente a coleta seletiva.
Os sacos amarelos nos quais a população deposita o lixo reciclável, coletados pelas prefeituras, se popularizaram e foram amplamente distribuídos. Esses sacos são então levados para o Centro de Recuperação de Resíduos (CVR I), na sede da Cimvi, nos arredores de Timbó.
“Hoje, recuperamos de 20% a 22% do lixo reciclável, em comparação com a média brasileira de 2%. Queremos chegar a 27%”, disse Tomaselli à IPS.
“Recebemos em média 60 toneladas por dia e trabalhamos 24 horas por dia, em três turnos, de segunda a segunda”, disse Rosane Valério, presidente da Cooperativa Médio Vale, contratada para separar e entregar os resíduos às empresas compradoras na CVR I, onde trabalham 87 recicladores.
A cooperativa possui outra unidade para processar resíduos de outras duas cidades próximas, Ituporanga e Aurora, com uma população total de 33.300 habitantes.
“Do material recebido, ainda descartamos 30% que estão misturados ou sujos com restos de comida, às vezes sangue que atrai mosquitos, vidros e outros objetos perigosos, como seringas e medicamentos, o que dificulta ainda mais a reciclagem”, explicou Valério.

Termoplástico
Ele lamentou que “não sabemos a origem; os moradores não têm conscientização sobre o descarte adequado”. De qualquer forma, metade desses 30% de resíduos descartados pode ser usada para produzir termoplástico, um material duro, semelhante ao concreto, usado na fabricação de bancos para praças, calçadas, pavimentos e muros.
A cooperativa já opera uma planta piloto, com produção experimental ainda a ser vendida externamente. “Os municípios são o mercado inicial para chapas termoplásticas, bem como para fertilizantes para compostagem”, disse Tomaselli.
O presidente da Abren, Schmitke, está cético. Os municípios associados têm demanda limitada e insuficiente, e a população não confia em produtos feitos com lixo, argumentou.

Mas o termoplástico é conhecido há quatro décadas e já existem equipamentos que facilitam sua produção em altas temperaturas de 160 graus Celsius. Como insumo, basta utilizar uma quantidade de plástico adicionada a outros resíduos, como textos, rebate ou diretor Cimvi.
O aproveitamento de resíduos locais dará um salto com a inauguração do CVR II, prevista para o início de 2026, e utilizará em grande parte resíduos orgânicos para a produção de biogás e biofertilizantes. A outra parte será compostada.
“A meta é aproveitar 100% ou 98%”, disse ele, ressaltando que é preciso encontrar alternativas para os resíduos, como o “lixo comum”, para o qual não há como reciclar.

Gargalos
Um obstáculo é a coleta seletiva, que precisa ser aperfeiçoada. “Em Milão, na Itália, cinco tipos de resíduos são separados na fonte: alimentos, plásticos, papel, metais e vidro. Aqui, tudo é mais difícil porque tudo é misturado”, observou Tomaselli.
Por isso, o CIMVI prioriza a educação ambiental por meio de diversas campanhas, como “Reciclar Vale a Pena”, um programa de turismo sustentável que destaca a beleza do chamado “Vale Europeu”, que inclui outros municípios além dos 14 consórcios.
Para isso, também foi criado o Parque Girasol, um complexo turístico que inclui o aterro sanitário, as instalações do CIMVI e a floresta ao redor, com trilhas para caminhadas, observou Jaqueline Wagenknetht, consultora de educação ambiental.
Concursos de design e poesia entre estudantes locais buscam promover a valorização do vale, conhecido como europeu por sua população ser composta por muitos imigrantes, especialmente alemães, italianos e poloneses.
O nome Girassol foi escolhido para o parque porque, além da beleza, ele simboliza a sustentabilidade como fonte de petróleo e biocombustível, explicou o assessor.

A CIMVI está se beneficiando das experiências de São Bento do Sul, município de 83.277 habitantes, 120 quilômetros ao norte de Timbó, que lançou um programa semelhante buscando recuperar 100% de seus resíduos.
Um processo de desidratação da parte orgânica permite um melhor aproveitamento dos resíduos, explicou Jacó Phoren, consultor da empresa 100lixo, envolvida no projeto, durante sua palestra na conferência Abren em 6 de junho.
Promover novas empresas que gerem soluções para a indústria de resíduos é outro foco da CIMVI, disse Tomaselli.
Em Curitibanos, cidade a 185 quilômetros a sudoeste de Timbó, com 40.045 habitantes, a empresa Inventus Ambiental acredita ter inventado um equipamento que facilitará a separação do lixo para melhor recuperação energética ou reciclagem, reduzindo o lixo que vai para aterros sanitários.
O projeto piloto será inaugurado em poucos meses e se baseia no uso de calor de 90 graus para tratar matéria orgânica, informou Dirnei Ferri, diretor da empresa.
Santa Catarina já eliminou os lixões a céu aberto, embora não se saiba se todos foram despoluídos. Agora, trata-se de “romper a vala dos aterros sanitários”, afirmou Tomaselli.
“Temos 36 aterros sanitários no estado, dos quais apenas três são públicos; os demais são privados, e há pouco interesse em mudar o sistema porque quem controla o aterro também controla o serviço de coleta de lixo”, concluiu.
Fonte: https://ipsnoticias.net/2025/06/aprovechar-todos-los-residuos-urbanos-una-utopia-en-brasil/